Convenção democrata focará tensão racial
Evento que confirmará Hillary como candidata à Presidência terá discursos de mães de negros mortos pela polícia
Republicanos, por outro lado, criticaram o Black Lives Matter, movimento que ganhou projeção com protestos em todo o país
O presidente da Câmara, Paul Ryan, decidiu tirar uma selfie com a nova turma de es- tagiários do Congresso —quase todos eles eram republicanos brancos, assim como ele.
Em seguida, estagiários de um diretório democrata responderam com outra selfie, na qual negros eram maioria num time de várias cores.
O episódio é um retrato da tensão racial que ronda os Estados Unidos no mês em que os principais partidos do país realizam convenções para apontar seus presidenciáveis.
O evento do Partido Democrata, que começa na Filadélfia, no Estado da Pensilvânia, nesta segunda (25), com discursos da primeiradama Michelle Obama e do candidato derrotado nas prévias Bernie Sanders, promete ser o avesso da contrapartida republicana, encerrada na última quinta-feira (21).
Hillary Clinton não foi o único saco de pancadas na convenção realizada em Cleveland (Ohio) e que chancelou Donald Trump como o candidato do partido à Presidência. Na mira, também estava o movimento Black Lives Matter (vidas negras importam).
Oradores negros e brancos se revezaram para defender a polícia, alvo de recentes atentados no Texas e na Louisiana, e condenar o movimento que, segundo Trump, “está dividindo a América” com seus protestos contra agentes vistos como racistas.
“Alguém com um belo bronzeado precisa dizer isto: todas as vidas importam”, afirmou o candidato a senador Darryl Glenn. Também negro, o xerife David Clarke usou manifestações em Ferguson, Baltimore e Baton Rouge —cidades onde policiais mataram negros em situações em que aparentemente não ofereciam risco— para acusar o Black Lives Matter de provocar o “colapso da ordem social”.
O partido de Barack Obama, primeiro presidente negro dos EUA, vai na direção oposta. Convidou para falar, ao lado do ex-presidente Bill Clinton, mães de vítimas negras: Eric Garner (asfixiado com uma chave de braço), Trayvon Martin (que usava um capuz “suspeito”) e Michael Brown (acusado de roubar US$ 50 em cigarros). Nenhum deles estava armado.
O palco dos republicanos também recebeu mães. No caso, de soldados mortos na Líbia quando Hillary era secretária de Estado e de vítimas de imigrantes ilegais —estes, responsáveis pela criminalidade, segundo Trump, candidato “da lei a da ordem”.
Entre os republicanos, há dúvidas se vale a pena investir no eleitorado afroamericano, historicamente inclinado à legenda rival. Em público, o magnata diz que é benquisto por essa base. Em comício, em junho, exclamou ao ver um único simpatizante negro num mar de brancos: “Veja meu afroamericano!”.
As pesquisas o contradizem. Só 1% dos negros votaria em Trump, segundo a Universidade Quinnipiac. Em sondagem da NBC, o apoio cai para zero na Pensilvânia e em Ohio, Estados-pêndulos (que preferem ora republicanos, ora democratas) e sedes das reuniões partidárias.
“Não é redundância dizer que a convenção republicana de 2016 foi a mais branca das convenções mais brancas”, escreveu em seu site o analista político Earl Hutchinson.
Dos 2.472 delegados que representavam seus Estados, só havia 18 (0,7%) negros. O país tem 13% de afroamericanos.
Suplente na delegação da Geórgia e negra, Vivian Childsdizà Folha que o problema é o desinteresse de muitos de seus pares em ser representante republicano. “Nem sempre foi assim.” Verdade. Até meados do século 20, eram os democratas que repeliam a comunidade.
Na convenção da legenda em 1868, o slogan era: “Este é um país de homens brancos. Deixem um homem branco comandá-lo”.