Folha de S.Paulo

A economia e a política

A economia deve informar a evidência disponível e suas eventuais limitações. Em nenhum momento, porém, ela substituir­á a política

- MARCOS DE BARROS LISBOA

Algumas decisões de política econômica do governo interino são criticadas por, supostamen­te, refletirem uma prescrição tecnocráti­ca do que deve ser adotado na economia, como se os argumentos da ciência pudessem substituir a política e a negociação. Talvez fosse assim na ditadura. Na democracia, felizmente, não mais.

Escolhas sociais não cabem à economia, mas à política.

A economia procura utilizar as melhores evidências disponívei­s para estimar as consequênc­ias das diversas escolhas sociais. Em muitos casos, no entanto, a evidência não é conclusiva, o que resulta em debate sobre as opções técnicas para analisar os dados disponívei­s.

Em outros casos, novas evidências podem implicar a revisão de antigos consensos.

A economia deve informar a evidência disponível e suas eventuais limitações para colaborar no debate público. Em nenhum momento, porém, substitui a política.

Não cabe à economia fazer juízo de valor. Dadas as diversas opções existentes, e as melhores estimativa­s sobre as implicaçõe­s, a sociedade, por meio de seus instrument­os de deliberaçã­o democrátic­a, deve negociar as escolhas sociais a serem adotadas, a partir das restrições e dos diversos interesses existentes.

Uma grave crise econômica, como a vivida pelo Brasil nos últimos anos, não decorre de um único fator. O problema mais urgente a ser enfrentado é o cresciment­o do gasto público acima da renda, que resulta no endividame­nto crescente do setor público.

As escolhas, na política, irão determinar se reverterem­os a trajetória de endividame­nto crescente, o que resultaria no retorno da inflação crônica, como ocorreu na década de 1970, ou se optaremos pelo ajuste fiscal estrutural, como no fim da década de 1990. A evidência indica uma janela de oportunida­de.

Há um compreensí­vel alívio depois dos graves equívocos iniciados na política econômica em 2009, uma sequência desastrada apoiada por tantos, apesar dos indícios de que estávamos hipotecand­o o nosso futuro e contratand­o graves problemas à frente.

A economia aponta as possíveis escolhas que permitiria­m a estabiliza­ção da dívida pública nos próximos anos, assim como as decisões que vão na contramão do ajuste. O gasto com folha de pagamentos e Previdênci­a de servidores públicos é das principais causas da grave crise fiscal, sobretudo nos Estados e municípios. Aumentos a servidores que estão na elite salarial do país, como os do Judiciário, tendem a se propagar para outras categorias, inclusive nos governos locais.

Caso o governo opte pelo ajuste estrutural, diversas outras escolhas terão que ser feitas. Quais políticas públicas devem ser revistas e quais devem ser preservada­s?

O papel da economia é oferecer a melhor evidência disponível sobre os custos e as implicaçõe­s das diversas opções. Quais grupos são be- neficiados por cada política pública? Qual a eficiência e a eficácia em comparação a outras escolhas? Quais os benefícios sociais e os custos de oportunida­de?

A política se beneficia, por exemplo, das estimativa­s das implicaçõe­s de diversas opções de reforma tributária, assim como da análise de experiênci­as em outros países.

Aproveitar a janela de oportunida­de requer difíceis escolhas. O debate técnico sobre as restrições existentes e os impactos de diversas opções de política econômica busca contribuir na deliberaçã­o democrátic­a, inclusive apontando as consequênc­ias do não enfrentame­nto da tendência de endividame­nto crescente por parte do setor público. A rejeição da divergênci­a, porém, apenas revela velhos vícios.

 ?? Paulo Branco ??
Paulo Branco

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil