Brasil asfixia setor de peixes, afirma gigante de enlatados nos próximos 5 ou 7 anos. Para isso, é preciso quebrar a restrição aos enlatados.
Lei impede ganho de escala, diz executivo de grupo dono da Gomes da Costa
Para Alberto Encinas, do grupo Calvo, país desperdiça chance de ser referência em pescados, como é em carne e frango
À primeira vista, pode parecer que o executivo espanhol Alberto Encinas, 45, se queixa de barriga cheia ao dizer que o mercado de peixes sofre com a política brasileira —e com a falta dela.
CEO para a América do grupo Calvo, que comprou em 2004 a Gomes da Costa, Encinas triplicou a produção e quadruplicou o faturamento da fabricante de conservas desde 2007, quando os ex-donos deixaram a empresa.
Mas ele acha que o país desperdiça sua chance de se tornar uma potência em pescados, como é em outras proteínas. “O lobby da carne é muito forte. Qual é o sentido de frango e carne terem isenção de PIS-Cofins e peixe enlatado não? Já saímos em desvantagem.” Faltam também incentivos, dados confiáveis e uma regulação que permita a produção em escala.
Apesar dos gargalos, Encinas diz que o Brasil, principal mercado para o grupo espanhol, deve continuar a ser “o que mais nos dá alegrias”.
Ele acha ser possível manter o crescimento em ritmo de dois dígitos para toda a categoria, cuja concorrência se acirrou com a compra, pela Camil, da marca Coqueiro.
Os dois grupos disputam palmo a palmo a liderança do mercado, do qual têm juntos 80% (o grupo Calvo com 2 marcas, e a Camil com 4).
De malas prontas para dirigir a unidade europeia a partir do mês que vem, Encinas lamenta: “O mercado é maduro, terei que focar eficiência e custo. Aqui ainda há espaço para criatividade”. Folha - Nos nove anos em que dirigiu a empresa, a produção se multiplicou por três. Além do boom de consumo, o que impulsionou esse resultado?
Alberto Encinas - O foco foi fortalecer praticidade e saudabilidade. Investimos em uma fábrica de embalagens abre-fácil [que dispensam abridor de latas], que nos garantiu esse diferencial até 2012 e fez da Gomes a marca líder. Renovamos totalmente a fábrica de atum e criamos um pipeline [cronograma de desenvolvimento] de novos produtos. E conseguimos surfar na onda de consumo. Consultorias projetam para a categoria um crescimento médio anual de 6% até 2020. A era dos dois dígitos acabou?
O mercado e todas as empresas podem crescer se houver enfoque nos efeitos benéficos do peixe. Na Espanha, o Ministério da Saúde promove o consumo para reduzir gastos com saúde. Aqui, meu medo é que o lobby da carne é muito forte. Esse crescimento da agroindústria se baseou em um entorno favorável: destaque do produto no ponto de venda, apoio do BNDES.
Precisamos tentar fazer com que agora seja a hora do peixe. Dá para dobrar a categoria Preconceito por ser popular? Dúvida sobre se é saudável?
O problema é a ideia equivocada de que, para durar dentro da lata, tem aditivo. Na verdade, não há nenhum conservante lá dentro. Já consumi sardinhas de 20 anos. São ótimas. E continuo vivo. Há um problema de política pública para pescados? O país tem um dos maiores potenciais do mundo, mas...
Em produtos como o boi e o frango, o país se tornou referência mundial, o mais competitivo. Por que não usar o mesmo caminho para desenvolver a proteína de peixes? Qual é o sentido de frango e carne terem isenção de PIS-Cofins e peixe em conserva não? Isso direciona o consumo, já partimos com 9,25% de desvantagem. E é preciso desenvolver uma cadeia de valor tão eficiente como a do agronegócio. Desenvolver a pescaria industrial, de escala, sem descuidar da artesanal. Com recursos e plano de ação, o Brasil vira referência.
Precisa passar pelo governo? Não há alternativa privada?
O problema é que a legislação brasileira é muito restritiva. Obter licenças é muito complicado, é proibido ter embarcações grandes, mais produtivas. É preciso um ambiente regulatório que permita desenvolver uma pesca mais eficiente, sem afetar a sustentabilidade. Recurso financeiro pode haver, linhas de financiamento, mas, sem um marco legal que permita que o investidor tenha a valentia para assumir o risco, não vai prosperar.
Outro problema sério é que não há dados confiáveis. Sem isso, os órgãos de proteção ao ambiente apertam as restrições. Propusemos um estudo científico sobre a pescaria do atum, com universidades, o governo, os pescadores. Não saiu do papel, por falta de decisão, e pelas constantes mudanças no ministério. O país volta a crescer quando?
Ah, não trouxe hoje a bola de cristal [risos]. Mas é curioso como tudo se movimenta pelas expectativas. O clima, o ambiente de negócios muda todo. Gostaria de acreditar que a partir do final do ano começa a retomada. Há muito recurso financeiro ávido para investir. O Brasil tem que fazer pouco. Se conseguir passar uma mensagem de estabilidade, de credibilidade, vai atrair muito recurso. Passar credibilidade é resolver o impeachment?
Não sei, não entro em questões políticas. É mostrar que dá para saber o que vai acontecer. O entorno político e econômico passou por um período mais complicado, mas, se houver mais previsibilidade, isso é o importante.
A legislação brasileira é muito restritiva. Obter licenças é complicado, é proibido ter embarcações grandes, mais produtivas. É preciso regras que permitam desenvolver uma pesca mais eficiente, sem afetar a sustentabilidade. Recurso financeiro pode haver, mas, sem um marco legal que permita ao investidor valentia para assumir o risco, não vai prosperar