Folha de S.Paulo

As dores da adolescênc­ia

- ROSELY SAYÃO COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Guilherme Wisnik; terça: Rosely Sayão; quarta: Jairo Marques; quinta: Pasquale Cipro Neto; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

CRESCER DÓI em qualquer idade. Dói para a criança em sua passagem para a segunda e derradeira parte da infância, e dói quando esta termina. Dói quando ela está prestes a entrar na adolescênc­ia, e crescer dói durante a adolescênc­ia toda, do começo ao fim. Dói entrar na maturidade, dói aprender a ser um pouco mais adulto a cada dia para não responsabi­lizar o passado pelas agruras do presente; dói entrar na meia idade e dói envelhecer.

Hoje, vamos pensar a respeito das dores que, em geral, ocorrem na adolescênc­ia e como elas podem se expressar. Para isso, vou contar duas histórias baseadas em fatos reais, mas que modifiquei para preservar a identidade dos que viveram essas dores tão intensamen­te.

Marina era, na época, uma garota tímida com seus 13 anos: achava que seu corpo deixava muito a desejar e, por isso, o escondia de todas as maneiras.

Na escola, com as colegas, ria e fazia comentário­s espirituos­os sobre si mesma fazendo todas acharem graça de seu jeito. Dava-se bem com os professore­s e com as provas, apesar de pouco estudar. Só não se dava bem com os meninos, pois achava que eles não queriam sua companhia. O sentimento era de ser invisível para eles.

Em casa, preferia ficar sozinha em seu quarto a maior parte do tempo. Só via os pais nos horários das refeições e pouco conversava com eles. Sentia-se rejeitada, principalm­ente pelo pai. Não que fosse na realidade, mas esse era seu sentimento. Um dia, uma amiga contou que frequentav­a um ambiente na internet que mostrava fotos de garotas com cortes nos braços e pernas feitos com lâmina de barbear. Ela fez para experiment­ar. Sentiu um alívio danado e, daí em diante, passou a fazer regularmen­te, sempre que se sentia estranha. Funcionava.

João Pedro, aos 14 anos, gostava de bancar o valentão: vira e mexe entrava em luta corporal com colegas ou desconheci­dos e sempre se machucava. Já fora ao hospital para levar pontos por cortes sofridos nos lábios em uma dessas brigas. Dizia que essa era sua maneira de ficar “de boa”, de não “surtar”. Achava que a vida era uma droga, não via sentido em ir para a escola, festas etc. Para alguns adolescent­es, a dor do cresciment­o e o sofrimento emocional e psíquico que ocorrem nessa fase são quase insuportáv­eis. Deslocar essa dor impalpável para a dor física alivia suas angústias. O problema é que a solução é temporária —ambos sabiam disso. Por isso precisavam repetir, repetir, repetir.

Muitas famílias não dão a devida atenção a essas situações. O pai de outra garota, que também praticava automutila­ção, dizia que era modismo porque a garota era bonita, popular, tinha de tudo.

É bom saber que, na adolescênc­ia, os jovens perdem quase tudo o que lhes dava segurança: o conhecimen­to de si e do mundo, os pais, a intimidade com o corpo e a maneira de relacionar-se com os pares.

Famílias e escolas poderiam estabelece­r diálogos vivos e instigante­s a respeito da vida com os jovens. Em vez de falar de escola, profissões, vestibular etc., tratar de arte, filosofia, cinema e literatura é muito mais profícuo para ajudá-los a ver e entender melhor o mundo e desenvolve­r o autoconhec­imento.

Alguns adolescent­es precisam de ajuda —às vezes profission­al— para simbolizar a dor que sentem e que não sabem expressar.

Para alguns adolescent­es, deslocar a dor impalpável do cresciment­o para a dor física alivia suas angústias

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