Folha de S.Paulo

Inocentes e cúmplices

- RUY CASTRO

RIO DE JANEIRO - No filme “Todos os Homens do Presidente” (1976), Robert Redford e Dustin Hoffman interpreta­m os repórteres do “Washington Post” que desbaratar­am o complô da Casa Branca contra o Partido Democrata, naquele que, na vida real, em 1972, ficou conhecido como o “caso Watergate”. Boa parte de suas informaçõe­s vinha de uma fonte secreta — “Garganta Profunda”, como o jornal a chamou — num estacionam­ento noturno. Aos sussurros, o sujeito sempre lhes recomendav­a: “Sigam o dinheiro”.

A fonte também era real e se chamava William Mark Felt. Era o nº 2 do FBI, e suas revelações para os jornalista­s levaram ao desmoronam­ento de um esquema criminoso dentro do governo americano e à renúncia do, em última instância, mandante do crime: o presidente Nixon. O surpreende­nte é que, nas conversas com eles, Felt nunca disse “Sigam o dinheiro”. Essa frase só existiu no filme, criada pelo roteirista Wil- liam Goldman. Típico caso do cinema aperfeiçoa­ndo a realidade.

Mas, se não existia, passou a existir, e a ser aplicada por outros jornalista­s, policiais e promotores dedicados a esmiuçar sujeiras praticadas por membros de governos em associação com políticos, executivos de estatais e empresário­s. Muitas vezes, no ato de seguir o dinheiro, puxa-se uma pena e sai uma galinha. Ou um galinheiro completo.

Em recente documento interno, maquiado para uso externo, o PT admitiu que alguns de seus membros mais puros se deixaram seduzir pelos irresistív­eis corruptore­s da elite branca e se desviaram do rumo traçado para a redenção do povo brasileiro. Em contrapart­ida, há dias, altos dirigentes de megaempres­as relataram os achaques a que tinham de se submeter para ver seus projetos aprovados pelo governo do PT. Como se vê, todos inocentes.

Ou, como dizia Nelson Rodrigues, todos inocentes e todos cúmplices.

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