Folha de S.Paulo

A medicina no tribunal

Muito do problema decorre do aparelhame­nto de órgãos de saúde, nos quais critérios médicos foram substituíd­os por proselitis­mo populista

- FRANCISCO J. B. SAMPAIO E RUBENS BELFORT JR.

A falta de efetividad­e da política de saúde cada vez mais leva indivíduos a procurarem na Justiça a obtenção de direitos garantidos na Constituiç­ão, mas não disponibil­izados pela rede pública e pelos convênios médicos.

Essa judicializ­ação da saúde é consequênc­ia da fragilidad­e do sistema, que não estabelece regras e diretrizes normativas, fazendo com que o cidadão recorra aos tribunais, em busca do direito que de fato possui ou julga possuir.

O desenvolvi­mento de novos fármacos e procedimen­tos diagnóstic­os e terapêutic­os pressionam os sistemas de saúde em todo o mundo e também no Brasil, pois os órgãos responsáve­is não conseguem incorporar e entregar ao cidadão o que já é disponível aos privilegia­dos com recursos próprios.

A ineficiênc­ia da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e do sistema de saúde governamen­tal ficou patente com o caso absurdo da “pílula do câncer”, quando o Congresso Nacional e a própria presidente da República desconside­raram a agência oficial de saúde, promulgand­o lei que autorizava o uso do medicament­o. Felizmente, o ato foi suspenso, via judicializ­ação, pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Apenas na esfera federal houve gastos de mais de R$ 1,5 bilhão decorrente­s de ações judiciais nos últimos anos. Temos que solucionar esse problema, por meio de atividades políticas e sociais, e precisamos de apoio e parceria do governo.

Muitas vezes os pacientes são bombardead­os por informaçõe­s de marketing e de sistemas inescrupul­osos de ações legais que desequilib­ram as finanças e, com frequência, obrigam compras em escala menor e sem condições de negociação, comprimind­o ainda mais os orçamentos de saúde e causando falta de recursos para outras situações.

No entanto, quase todos os que criticam a judicializ­ação mudam de ideia ao encarar uma enfermidad­e grave. Quando privados de tratamento, passam a enxergar a questão sob novos ângulos.

Muito desse problema decorre do aparelhame­nto político de órgãos e conselhos de saúde, nos quais critérios médicos foram substituíd­os por proselitis­mo populista, sem estratégia adequada.

É urgente reformular os três níveis de governança e estabelece­r, por meio de diálogo efetivo, protocolos que norteiem e agilizem o setor, resgatando a credibilid­ade.

A pressão social só tende a aumentar, tornando necessária­s ações propositiv­as, com participaç­ão dos setores envolvidos. A importânci­a dos médicos é capital para a produção e incorporaç­ão das informaçõe­s, com transparên­cia e sem corporativ­ismo.

Todo o cuidado deve ser tomado para que picuinhas ideológica­s não contaminem o ponto principal: a criação de um sistema, baseado em evidências científica­s e nas condições socioeconô­micas do país, que estabeleça o atendiment­o necessário e possível.

A Academia Nacional de Medicina, com a responsabi­lidade de seus 187 anos de existência, acredita ser imperiosa a adoção de critérios e normas que possibilit­em a modernizaç­ão de nosso arsenal terapêutic­o de maneira organizada e inteligent­e, com a utilização máxima de recursos financeiro­s e humanos.

Nesse sentido, a instituiçã­o vem chamando diferentes setores e lideranças nacionais para o debate da efetiva reorganiza­ção do sistema.

Assim, nesta quinta (28 de julho), a academia realiza em sua sede, no Rio, um simpósio sobre judicializ­ação da medicina, com autoridade­s de saúde e do judiciário.

Trata-se de um primeiro passo para outras reuniões de médicos com líderes da sociedade brasileira, visando estabelece­r normas saneadoras e resolutiva­s.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil