Folha de S.Paulo

Meirelles e os erros do Brasil

- ELIO GASPARI

OUTRO DIA o doutor Henrique Meirelles disse que, se o projeto de limitação dos gastos públicos não for aprovado, “o Brasil terá feito uma opção errada, grave”.

“Brasil”, quem, cara pálida? Se o projeto não for aprovado, os deputados e senadores terão feito uma opção errada, grave. Como o presidente Michel Temer não quer briga com o Congresso, seu ministro da Fazenda diz que o erro será do Brasil. Comporta-se como se fosse um banqueiro nascido no Afeganistã­o e fizesse parte de um governo presidido por um líbio.

Meirelles sabe que o governo terá dificuldad­es para votar o teto das despesas públicas, mas tudo indica que prevalecer­á. Para a reforma da Previdênci­a e para mudanças nas relações trabalhist­as as dificuldad­es serão enormes. O ministro e o presidente teriam o caminho da exposição e do confronto com os adversário­s dessas mudanças. Boa parte desses adversário­s está na bancada de apoio do presidente, que se aposentou aos 55 anos como procurador do Estado de São Paulo, categoria beneficiad­a por pendurical­hos que a maioria dos trabalhado­res brasileiro­s nunca viu.

Pelo andar da carruagem, se Temer não conseguir fazer as reforma que defende, “o Brasil” terá feito opções erradas e, então, como o próprio Meirelles reitera, virão novos impostos. Como será impossível cobrar esses impostos do “Brasil”, a conta vai para os brasileiro­s.

Falar mal do Brasil e dos brasileiro­s é um velho hábito, comum tanto ao andar de cima quanto ao de baixo. As referencia­s astuciosam­ente derrogatór­ias do Brasil apresentam-se com disfarces. Em alguns casos, como no de Meirelles, se algo de errado acontecer, terá sido uma opção do Brasil e não dos bípedes que estão no Congresso. Há também expressões marotas, como “só no Brasil” ou “brasileiro tem mania de...”. Sempre que uma pessoa fala dos maus modos desses brasileiro­s fica entendidoq­uenadatema­vercomeles. O “brasileiro” é sempre o outro.

Atualmente uma banda nacional cavalga o que teria sido uma demonstraç­ão da falta de critério dos brasileiro­s: os 54 milhões de votos dados a Dilma Rousseff (com Temer na vice). Durante a ditadura, essa banda demófoba prevaleceu e as eleições diretas foram canceladas. Em 1969, o presidente Costa e Silva teve uma isquemia cerebral, o vice foi defenestra­do e os generais descobrira­m que não sabiam montar um sistema racional para escolher seu substituto. Ganha uma viagem de ida ao Quênia quem souber como foi escolhido o general Médici.

Pode-se admitir que a política de Pindorama está contaminad­a por ladrões e palhaços, mas enquanto as coisas pioram lá fora, aqui as coisas estão melhorando. Em novembro, o eleitor americano, que há quatro anos escolheu entre Obama e Mitt Romney, terá no menu Donald Trump e Hillary Clinton.

O hábito de deixar mal o próprio país para disfarçar algum preconceit­o é amplo e irrestrito. Franceses e italianos adoram falar mal de seus países. O general De Gaulle dizia que não era possível se governar um país que tinha 258 tipos de queijos. Benito Mussolini garantia que governar a Itália era fácil, porém inútil. Há um país fora dessa regra: nenhum americano fala mal dos Estados Unidos. A frase de Meirelles seria impossível em Washington.

O ministro usou o velho truque de jogar em cima do país responsabi­lidades que são de pessoas

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