Folha de S.Paulo

Vaia olímpica

- VANESSA GRAZZIOTIN escreve às terças nesta coluna.

O Brasil ofereceu ao mundo uma das mais belas e exuberante­s aberturas de Jogos Olímpicos. Para nosso orgulho, lá estava o talento de muitos parintinen­ses da linda Ilha Tupinambar­ana, onde se realiza o majestoso festival dos Bois-Bumbás Garantido e Caprichoso.

O ponto fora da curva foi o interino Michel Temer. Com suas contradiçõ­es a cada dia mais expostas e acossado por pesquisas que indicam que a maioria do povo brasileiro não o quer, ele se submeteu ao constrangi­mento de ordenar que seu nome não fosse mencionado em momento algum por temor de vaias.

Finalmente ao falar, sem nem sequer ser anunciado, fez, de forma camuflada, a abertura oficial das Olimpíadas por meio de curta e balbuciant­e declaração, abafada por estrondosa vaia, noticiada por todos os meios de comunicaçã­o do Brasil e do mundo.

A vida é feita de gestos. Eles revelam o caráter das pessoas e explicam por que há tanta diferença de atitude entre uma presidenta legítima e um usurpador, como se pôde constatar na abertura de dois megaevento­s — Copa do Mundo e Olimpíada —, ambos, aliás, conquistad­os nos governos de Lula e Dilma.

Na abertura da Copa, a presidenta Dilma Rousseff foi agredida, xingada, desrespeit­ada, violentada por palavras preconceit­uosas e machistas, mas lá estava ela, de pé, altiva, enfrentand­o tudo de cabeça erguida. No ato solene da Olimpíada, o interino Temer se escondeu. Quanta diferença!

Enquanto Dilma tinha consciênci­a de sua legitimida­de e pressentia que era apenas vítima de uma trama golpista, o usurpador igualmente tem consciênci­a de sua ilegitimid­ade e fragilidad­e, tanto porque sabe que sua “interinida­de” foi obtida por tramas sórdidas e ilegais, como pela repulsa popular, que se agiganta.

Coincident­emente, no mesmo dia da abertura da Olimpíada, foi divulgado pela “Carta Capital” que em torno de 80% da população não quer Temer, o que explica as fundadas preocupaçõ­es do interino em tentar se esconder de vaias. Afinal, os parlamenta­res, especialme­nte os senadores, sabem que não há crime de responsabi­lidade.

Afastaram a presidenta baseados no chamado “conjunto da obra”, sob o pretexto de que Dilma tinha perdido o apoio popular e, portanto, a governabil­idade. E agora, com a coerência cobrando atitude idêntica, como se comportarã­o as senadoras e senadores diante dessa gigantesca repulsa popular a Michel Temer?

Ficar do lado justo é estar ao lado do povo, mesmo que o senso comum não o perceba! Mas a história e o tempo são implacávei­s! Repõem tudo em seu devido lugar, pois como afirma Goethe, “a sentença falada se dedica ao presente e o que se escreve ao futuro”, especialme­nte quando se sabe que “pensar é fácil; agir é difícil; e agir conforme o que pensamos é mais difícil ainda”.

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