Folha de S.Paulo

Corrupção versus Brasil

O campeonato terminou com a derrota do time do mensalão, mas a partida seguiu sem impediment­o. O placar foi mais desfavoráv­el que o 7 a 1

- RICARDO VIVEIROS

O jogo político não é diferente do futebol. Tem campeonato­s municipal, estadual e federal. Congrega times, torcidas organizada­s, cartolas e patrocinad­ores. Há venda de passes de atletas que, mesmo adeptos de um time, jogam pelo outro em troca de vantagens. Muitas vezes, um jogador pode ser suspenso por indiscipli­na. Há também árbitro, auxiliares e, até mesmo, um tribunal específico, para julgar e punir os que cometem faltas graves.

O público pode ser fiel a um determinad­o time, mas há registro de fanáticos por um craque que o acompanham na equipe em que estiver jogando. Lembram-se de Jânio Quadros, Ademar de Barros, Paulo Maluf? E há, também, os que não jogam nada, mas são muito populares com a torcida, tipo o Tiririca.

Duas diferenças, entretanto, são gritantes. A primeira é o tempo de carreira profission­al. No futebol, é curta; no máximo, uns 20 anos. Já na política, o “atleta” pode superar 60 anos de atividades ininterrup­tas. Muitas vezes, ainda com uma tremenda fome de bola.

A outra diferença, esta substancia­l, é que, na política, os jogadores são escolhidos pela torcida para disputar específico­s campeonato­s, que duram quatro ou oito anos. Já pensou se você tivesse que eleger um centroavan­te, um meia, um goleiro? Pode até ser uma opção ideológica, escolher um lateral para a direita ou para a esquerda. Indecisos optariam por um beque central, sem medo da pecha de estar “em cima do muro”.

Nosso país traz, em seu DNA, o gene da exceção. É uma coisa de origem. Nada aqui foi, é ou será normal. Quando pequeno, já escutava as pessoas comentarem que, se o Vaticano ficasse no Brasil, convidaria­m o papa para dar pontapé inicial em jogo de futebol. Quem sabe até naqueles entre casados e solteiros de paróquia na periferia.

A única coisa definitiva no Brasil é que tudo é provisório. Desde as medidas governamen­tais —passando pelas contribuiç­ões tributária­s, obras públicas— até, felizmente, os períodos de exercício do poder pelos políticos. Muitos deles, é verdade, tentaram ser eternos: Getúlio Vargas ou os militares do golpe de 1964, por exemplo.

O time do mensalão tinha pinta de campeão. Típico caso bem similar ao futebol: elenco, conhecimen- to e sorte de vencedores. Todavia, sobre essa vitória previament­e anunciada pesavam dirigentes corruptos, decisões questionáv­eis no “tapetão”, patrocínio­s com origens estranhas, facilitaçõ­es inesperada­s em partidas contra adversário­s sem esperança etc.

Aquele campeonato terminou com a derrota do time da casa, já que algumas poucas punições ocorreram, mas a partida seguiu sem impediment­o ou qualquer substituiç­ão. Consequênc­ia: o resultado foi mais desfavoráv­el ao povo brasileiro que os 7 a 1 para a Alemanha na última Copa do Mundo.

Por outro lado, agora na disputa do petrolão, o time do povo está virando o jogo. A torcida, que já havia se manifestad­o nas ruas no primeiro certame, agora, nas rodadas finais deste outro campeonato, está unida e vibrando diante da possibilid­ade de vitória de seu time.

A pátria de chuteiras ainda acredita nas instituiçõ­es, nos legítimos craques, nos dirigentes capazes e honestos, nos árbitros éticos. Tomara que o time do povo vença! Afinal, já faz um bom tempo que não somos campeões...

RICARDO VIVEIROS, 66, jornalista e escritor, é autor de “A Vila que Descobriu o Brasil” (Geração Editorial), entre outros, e presidente da empresa de comunicaçã­o Ricardo Viveiros & Associados

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