Folha de S.Paulo

BS é um otimista

- BENJAMIN STEINBRUCH COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo:

O PEQUENO industrial BS, iniciais fictícias, recusou-se a vender a sua fábrica no fim do ano passado. Ele é desses brasileiro­s nacionalis­tas, que vibra com conquistas nos negócios, nos esportes e em qualquer outra área. Está, por exemplo, empolgado com os Jogos Olímpicos do Rio.

BS poderia ter embolsado R$ 10 milhões à vista, limpos, e saído do difícil mercado de peças de aço. Mas ele preferiu ficar.

Dias atrás, olhos arregalado­s, BS leu um caderno especial publicado pela Folha que mostrava os resultados dos fundos de investimen­tos no primeiro semestre. Alguns fundos multimerca­do, aqueles que aplicam os recursos captados em vários segmentos, seja de renda fixa ou variável, renderam até 50% nos primeiros seis meses do ano.

BS fez rapidament­e o cálculo de cabeça. Se tivesse vendido a fábrica pelos R$ 10 milhões que lhe foram oferecidos e aplicado o dinheiro num fundo desses, teria ganho uns R$ 5 milhões no semestre, sem ter de discutir preços com fornecedor­es e clientes, sem burocracia­s contábeis e tributária­s, sem problemas trabalhist­as, sem ter de suplicar por boa vontade nos bancos credores. Mesmo que tivesse sido rigorosame­nte conservado­r e aplicado em um fundo de renda fixa, teria ganho pelo menos uns R$ 600 mil no semestre, sem nenhum esforço ou desgaste.

Caderno da Folha na mão, BS ficou meio deprimido com essas contas e esses pensamento­s. No semestre, o faturament­o de sua fábrica caiu cerca de 30% em relação ao mesmo período do ano passado e quase 50% na comparação com 2014. Em dois anos, seu negócio virou metade do que era. Está quase sem caixa, endividado, paga taxas de mais de 40% ao ano por empréstimo­s de capital de giro e, no semestre passado, operou com prejuízo.

“Como é possível ganhar tanto dinheiro com investimen­tos financeiro­s num momento de crise tão grave e recessão tão profunda?”, pensa BS, batendo com as costas da mão na página da Folha. E reconhece que talvez tenha cometido um erro, quatro anos atrás, quando usou mais de R$ 1 milhão do caixa da empresa para comprar uma máquina nova e aumentar a produção. Bem que a moça do financeiro, meio de brincadeir­a, havia alertado: “Se o dinheiro fosse meu, punha tudo no Tesouro Direto”.

Mas BS é teimoso. Vive dizendo que o futuro do país está na produção, e não na especulaçã­o financeira. “Veja o que acontece na agricultur­a, estamos produzindo e alimentand­o o mundo”, diz. Ele não sabe se, a esta altura, ainda vão lhe fazer oferta de compra de sua fábrica, mas, se algum interessad­o aparecer, vai recursar de novo.

Outro dia, ele leu na imprensa que a Fiat do Brasil tem falta de esferas de rolimãs na linha de montagem de automóveis. Algumas fábricas fecharam no país, e a montadora tem de importar da Alemanha contêinere­s inteiros com essas bolinhas de aço, um produto muito simples, que pode ser produzido em qualquer esquina e que faz BS lembrar do tempo em que, menino, descia ladeiras da zona norte de São Paulo sentado em seu carrinho de rolimã.

BS tem certeza de que as coisas não vão continuar como estão e, mais cedo ou mais tarde, a maré vai virar para o lado dos que investem para produzir e criar empregos. BS é um otimista.

BS poderia ter vendido sua fábrica por R$ 10 milhões à vista e investir em fundos; preferiu ficar; é um otimista

BENJAMIN STEINBRUCH, bvictoria@psi.com.br

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