Folha de S.Paulo

SP não fez toda a lição de casa após seca

Mudanças estruturai­s como água de reúso, redução de consumo e diminuição de perdas tiveram pouco avanço

- FABRÍCIO LOBEL

Para especialis­tas, lacunas expõem a região metropolit­ana a risco em caso de uma futura escassez

Em meio à pior estiagem de sua história, em 2014 e 2015, São Paulo deixou milhares de moradores com as torneiras secas em algum momento do dia, recorreu ao volume morto (reserva emergencia­l do fundo das represas) do Cantareira, acelerou obras de interligaç­ão entre reservatór­ios, impôs sobretaxa pelo consumo excessivo e bônus para os que economizav­am água.

O cenário crítico melhorou neste ano, mas, apesar do anúncio de fim da crise pela gestão Alckmin (PSDB), a situação não chega a ser tão confortáve­l. O alerta voltou a ser aceso no mês passado — julho mais seco dos últimos cinco anos no Cantareira.

Maior reservatór­io de abastecime­nto da região metropolit­ana, esse sistema está com 58,5% da capacidade, incluída a cota do volume morto. Bem mais que os 13,9% de um ano atrás, mas ainda aquém da média de 71% antes da crise nessa época do ano.

Para especialis­tas ouvidos pela Folha, São Paulo deixou de aproveitar a crise hídrica para promover algumas mudanças estruturai­s na gestão da água e saneamento —de forma a não depender tanto das variações climáticas.

Como parte da lição de casa ainda pendente, eles citam investimen­to em reaproveit­amento do esgoto e mudança duradoura do padrão de consumo de água. “Não adianta termos sofrido tanto com a crise, se não tirarmos lição dela”, diz Edison Carlos, presidente do Instituto TrataBrasi­l. ÁGUA DE REÚSO Tratar parte do esgoto urbano de maneira tão pura ao ponto de ser possível beber a água obtida nesse processo. Segundo especialis­tas, esse é o futuro do abastecime­nto sustentáve­l no mundo.

Isso já está presente no setor industrial —por exemplo, com o Aquapolo (empresa da Sabesp e da Odebrecht Ambiental e maior produtora de água de reúso do país). Mas falta regulação sanitária para abastecime­nto público.

Em 2014, o governo do Estado chegou a anunciar a construção de duas estações de tratamento de esgoto voltadas para isso. Na época, a medida foi divulgada como um avanço de longo prazo na segurança hídrica da região.

O projeto, porém, foi paralisado. A Sabesp diz ter opta- do por soluções mais rápidas e baratas para superar a crise. REDUÇÃO DE PERDAS Segundo a companhia de abastecime­nto, em São Paulo, a cada cinco litros de água tratados, um é perdido nos canos da própria empresa. Para o hidrólogo Carlos Tucci, é irracional que se busque água de fontes cada vez mais distantes enquanto as tubulações deixam vazar tanta água.

Se forem somadas as perdas por fraudes e “gatos”, esse índice sobe para 30% de toda a água tratada —contra 37% na média nacional.

Há anos, um programa de redução de perdas é tocado em São Paulo, mas os avanços já não cumprem as metas. A Sabesp diz que esse é um processo longo e contínuo. REDUÇÃO DE CONSUMO Quando passou por uma forte seca, em 1994, a cidade de Nova York percebeu que era preciso reduzir de maneira duradoura o consumo de água da população.

A prefeitura local financiou a troca de vasos sanitários por modelos mais econômicos. O programa substituiu 1,3 milhão de privadas na década de 1990. Em 2014, uma nova etapa do projeto foi iniciada.

O governo paulista diz estudar um plano semelhante. Uma alternativ­a pode ser a individual­ização de hidrômetro­s em condomínio­s residencia­is, mas a medida ainda é cara (isso é previsto em lei federal, mas só para prédios novos, daqui a cinco anos).

Para Carlos Tucci, a individual­ização de hidrômetro­s deverá passar pela resistênci­a das empresas de saneamento. “Obviamente, não interessa à empresa de saneamento reduzir o consumo, pois diminuirá a arrecadaçã­o.” ÁREAS IRREGULARE­S Em muitas favelas paulistas, a água encanada só chega por meio de “gatos”. A prática expõe a população mais pobre a contaminaç­ão e aumenta o volume de água perdida nos canos.

Para o presidente da Sabesp, em algumas dessas áreas irregulare­s, é possível fornecer água legalmente, mas, por questões técnicas, seria difícil coletar o esgoto.

Nessa condição, a Sabesp alega ter receio de ser criminalme­nte responsabi­lizada por oferecer água a uma população sem dar o destino adequado ao esgoto local.

“Ficamos diante de um dilema”, afirma Jerson Kelman, presidente da empresa. “Ou continuamo­s aceitando essa condição, em que a população é prejudicad­a e há perdas de água, ou iniciamos um diálogo sistêmico [com promotoria e prefeitura­s].”

 ?? Luis Moura/WPP/Folhapress ?? Represa Jaguari-Jacareí, a principal do sistema Cantareira, no município de Joanópolis (SP), no início de agosto deste ano
Luis Moura/WPP/Folhapress Represa Jaguari-Jacareí, a principal do sistema Cantareira, no município de Joanópolis (SP), no início de agosto deste ano

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