Folha de S.Paulo

Governo tenta frear alta de pedidos de saúde à Justiça

Em seis anos, o custo da judicializ­ação foi de R$ 140 milhões para R$ 7 bilhões

- CLÁUDIA COLUCCI

Lei regulament­ou os critérios para acesso a terapias no SUS, mas juízes não a consideram em suas decisões

Para frear pedidos judiciais que vão de água de coco e absorvente­s íntimos até remédios não aprovados no país, o Ministério da Saúde e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) articulam a criação de núcleos de apoio técnico para subsidiar os juízes em decisões sobre direito à saúde.

Apesar da lei federal, que em 2011 regulament­ou os critérios para acesso a terapias no SUS, o Judiciário ainda não a considera e entende que, segundo a Constituiç­ão, o Estado é obrigado a ofertar cuidado integral à saúde, o que, na prática, tem se traduzido em “tudo para todos”.

Isso fez explodir o número de ações que pedem acesso geral e irrestrito a bens e serviços de saúde. Neste ano, os gastos de municípios, Estados e União com a judicializ­ação devem atingir R$ 7 bilhões. Em 2010, os gastos foram de R$ 139,6 milhões, segundo o Ministério da Saúde.

O assunto foi discutido durante simpósio sobre judicializ­ação da saúde realizado na pela Academia Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro.

Segundo o médico Francisco Sampaio, presidente da academia, a judicializ­ação favorece os mais esclarecid­os, com melhores condições financeira­s e acesso a melhores advogados, em detrimento dos mais necessitad­os.

Os números paulistas deixam isso claro: só o governo do Estado de São Paulo gasta R$ 1,2 bilhão com a judicializ­ação na saúde. De 60% a 70% da ações vêm de advogados e médicos privados. Criticado por entidades de saúde e de defesa do consumidor por sua proposta de planos de saúde “populares”, com menos serviços, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, anunciou nesta segunda (8) que irá ampliar o grupo de trabalho criado para discutir o projeto. Serão convidadas entidades de defesa do consumidor, e representa­ntes dos médicos e dos planos de saúde.

“De onde vou tirar R$ 1,2 bilhão se os recursos estão cada vez mais escassos? É uma situação incompatív­el com a realidade”, diz David Uip, secretário da Saúde do Estado.

Segundo ele, a judicializ­ação impede que o gestor faça compras por meio de processo licitatóri­o e busque o melhor preço. “Com a liminar, preciso atender a demanda em 24 horas, se não corro o risco de ser preso”, conta ele, que em dois meses sofreu dez ameaças de prisão.

Para o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, diretor do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde, o tema traz um conjunto de contradiçõ­es e desafios, pois a judicializ­ação é danosa para o planejamen­to e a sustentabi­lidade dos sistemas de saúde, mas, ao mesmo tempo, expressa um direito constituci­onal do cidadão.

“Quem deve arbitrar? O Judiciário, que muitas vezes parece estar exercendo ilegalment­e a medicina? O médico prescritor, que está envolvido em escândalos com as farmacêuti­cas? O legislativ­o, que passa por cima da agência reguladora?”, provocou.

Antonio Brito, presidente da Interfarma (associação das farmacêuti­cas de pesquisa), defende um pacto contra a crescente judicializ­ação.

“Nenhum país do mundo consegue oferecer tudo, mas é preciso mais organizaçã­o no país. O Ministério da Saúde precisa fazer uma lista do que está faltando de essencial e exigir preços [de remédios, por exemplo] condizente­s”, sugere ele.

Para a médica Maria Inês Gadelha, da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, observa-se hoje uma perigosa amplitude do conceito de saúde nas decisões judiciais. “A saúde responde por direito social, assistênci­a social. As ações pedem fraldas, comida”, diz ela.

Com isso, argumenta Gadelha, “há uma negação das normas estabeleci­das e uma imposição a despeito de ações e serviços disponívei­s.”

O ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) João Otávio de Noronha, corregedor nacional de Justiça, diz que a judicializ­ação tem sido desastrosa para os sistemas público e suplementa­r de saúde.

“O julgador precisa interpreta­r as normas dentro do princípio da razoabilid­ade. O direito coletivo deve prevalecer em relação ao direito individual”, afirmou.

Noronha apoia a criação de mais núcleos de apoio técnico e outras propostas que visem frear a judicializ­ação, como as varas especializ­adas em saúde e a criação de câmaras de conciliaçã­o.

PLANO POPULAR GOVERNO VAI AMPLIAR DISCUSSÃO

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