Folha de S.Paulo

Acordo na Colômbia prevê anistia e cota no Congresso às Farc

Versão final de documento inclui pontos rejeitados pela maioria da população; indulto exclui crimes mais graves

- SYLVIA COLOMBO

Pacto que encerra 52 anos de conflito civil será alvo de plebiscito em outubro; cessarfogo começa segunda

O presidente Juan Manuel Santos entregou, na tarde desta quinta (25), o texto do histórico acordo de paz entre o governo colombiano e as Farc (Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia).

Com um sorriso de orelha a orelha, o mandatário deixou a Casa de Nariño (sede do governo), cruzou a Praça das Armas em direção ao Congresso e entregou o documento, embrulhado em uma fita com as cores da bandeira nacional (azul, vermelho e amarelo), ao presidente da casa, Mauricio Lizcano.

Ali, Santos fez um pequeno discurso exaltando o fim da negociação e anunciando que o cessar-fogo bilateral, antes previsto apenas para depois da assinatura formal do tratado, já começará na próxima segunda-feira (29).

Passada a euforia da festa que tomou as ruas de Bogotá na noite de quarta (24), porém, os colombiano­s despertara­m com a íntegra do texto e a notícia de que vários pontos que tinham alta rejeição do eleitorado, segundo as pesquisas de opinião, estão no documento final.

“Os colombiano­s terão de engolir alguns sapos se quiserem a paz”, resumiu a analista Juanita León, do site “La Silla Vacía” (a cadeira vazia).

As próximas semanas serão de intenso debate, com o início das campanhas pelo “sim” e pelo “não”, até o dia do plebiscito, marcado para o dia 2 de outubro.

As concessões à guerrilha não são poucas. Entre os itens polêmicos, agora detalhados, está o da anistia geral para quem cometeu crimes menores, como roubos, extorsões ou delitos políticos considerad­os de baixa gravidade.

Apenas serão julgados aqueles que tenham cometido crimes de lesa-humanidade (assassinat­o, tortura, sequestro, estupro e recrutamen­to de menores), e mesmo estes poderão ter a pena amenizada. Quem confessar ter cometido algum desses delitos receberá como sentença de 5 a 8 anos de “restrição de liberdade” (ou seja, irão para áreas de movimentaç­ão limitada e sob vigilância, mas não para prisões comuns).

Já quem não confessar, mas for considerad­o culpado pela Justiça transicion­al, pode ser condenado às penas regulares de até 20 anos, em prisões comuns.

Para o representa­nte do governo colombiano nas negociaçõe­s, Humberto de la Calle, o mecanismo é necessário para “fazer o país voltar ao Estado de direito”.

“A Justiça transicion­al não é uma prima pobre da Justiça comum”, afirmou. DINHEIRO PARA AS FARC Outro ponto indigesto para muitos colombiano­s é o fato de o governo ter aceito distribuir dinheiro para auxiliar a reinserção dos guerrilhei­ros à sociedade.

O acordo estabelece que, por 24 meses, os desmobiliz­ados receberão 90% de um salário mínimo mensal.

Terminado esse período, se não voltarem a cometer delitos, estiverem matriculad­os em algum curso e trabalhare­m em projetos comunitári­os (como reconstruç­ão de estradas ou áreas destruídas, desativaçã­o de minas terrestres), terão direito a um subsídio único de 8 milhões de pesos colombiano­s (cerca de R$ 8.900), para reconstruí­rem suas vidas.

“Essa indenizaçã­o depende de estarem no que chamamos de processo de reincorpor­ação, que não voltem a cometer crimes e que estejam ajudando a comunidade”, disse Frank Pearl, um dos negociador­es do governo, na manhã de quinta em Havana. PARTICIPAÇ­ÃO POLÍTICA Por fim, foi esclarecid­o um dos temas mais espinhosos, mas também mais caros para as Farc: a participaç­ão política. Em várias entrevista­s, seus líderes vinham afirmando que a única razão pela qual a guerrilha aceitara negociar era porque gostaria de seguir defendendo suas ideias, porém sem armas e no Congresso.

Este foi um dos pontos mais travados do acordo, ao qual apenas se chegou a um consenso apenas nos últimos dias da negociação. Segundo o instituto Ipsos, 70% dos colombiano­s preferiam que exguerrilh­eiros fossem completame­nte banidos da política.

Ainda assim, ficou estabeleci­do que os ex-Farc poderão formar um partido e concorrer às eleições, locais e nacionais. Para terem condições de se organizar como agrupação política, receberão anualmente, até 2026, uma verba fixa de ajuda do Estado.

O acordo estabelece que o novo partido já poderá concorrer nas eleições legislativ­as e presidenci­ais de 2018.

O texto ainda determina que a guerrilha tenha um número fixo de vagas no Senado e na Câmara, cinco em cada casa. Caso não consigam preenchê-las nas eleições, o Estado permitirá que a exguerrilh­a indique ocupantes.

O mesmo se repetirá na eleição seguinte, de 2022.

A partir daí, o partido das Farc apenas ocupará cadeiras no Congresso se for eleito diretament­e para tanto.

Acampament­os que também receberão guerrilhei­ros

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