Folha de S.Paulo

Indícios contra policiais perderam força no processo

- ROGÉRIO PAGNAN LEANDRO MACHADO

DE SÃO PAULO

Dois PMs acusados de participaç­ão no ano passado na chacina de 17 pessoas em Osasco e Barueri (Grande SP) recusaram proposta de delação premiada oferecida pelo Ministério Público Estadual.

Feita em junho, essa oferta de colaboraçã­o em troca de possível redução da pena reforça a dificuldad­e admitida pela Promotoria em conseguir reunir provas para condenar os quatro acusados pelos crimes —incluindo os dois PMs.

Em entrevista à Folha neste mês, o promotor do caso, Marcelo Alexandre Oliveira, disse acreditar na culpa dos réus, mas deixou clara a dificuldad­e para condená-los.

“Vai ser bem difícil a condenação. Porque, de fato, não tem uma prova contundent­e, irrefutáve­l”, disse ele, ressalvand­o depois que “as provas, analisadas conjuntame­nte, não deixam dúvidas [sobre a culpa dos quatro réus]”.

Os ataques ocorreram em em Osasco e Barueri, em 13 de agosto de 2015. A investigaç­ão apontou que os crimes foram uma retaliação às mortes de um PM e de um guarda municipal, em assaltos.

Segundo o promotor, os suspeitos buscaram não deixar evidências —como armas, veículos e ligações compromete­doras. Nos próximos dias, a Justiça deve decidir se os quatro irão a júri popular. A defesa pede o arquivamen­to do caso por falta de provas.

A proposta de delação foi feita aos PMs Thiago Henklain e Victor Cristilder, que estão presos desde outubro. Os outros dois réus, o policial militar Fabrício Eleutério e o guarda Sérgio Manhanhã, também presos, não tiveram essa mesma oferta.

A Folha tomou conhecimen­to da proposta ao analisar as cerca de 13 horas de gravações de audiências com testemunha­s e réus do processo —que corre sob segredo de Justiça. A oferta da Promotoria é mencionada no interrogat­ório do PM Cristilder, no último dia 10, em Osasco.

O PM contou que foi procurado no presídio especial Romão Gomes (destinado a PMs) pela promotora Carmem Pavão Kfouri, que atua na Justiça Militar, mas não no processo da chacina.

“Ela foi sucinta e clara: ‘Cristilder, uma delaçãozin­ha premiada. O senhor não acha que é bom?’. Falei que era inocente. Ela disse: ‘Mas uma delação hoje é comum’. Eu disse que não tinha o que falar, pois sou inocente”, disse o policial. “Me senti coagido, ameaçado”, completou.

Advogado deste PM, João Carlos Campanini diz que o Ministério Público foi “antiético” ao procurar diretament­e os réus para fazer a proposta. “A promotora fez isso nas costas de todo mundo, inclusive nas costas da juíza”, disse ele à reportagem.

Renato Marques, um dos defensores do soldado Henklain, também criticou a forma de ação da Promotoria.

A juíza afirmou, por meio da assessoria do Tribunal de Justiça, que “não tem conhecimen­to de eventual delação ou proposta de delação e não irá se manifestar sobre o que não tem conhecimen­to.” Também disse que não comentaria a “conduta de quaisquer profission­ais”, em relação à promotora.

Já a promotora Carmem Pavão não se manifestou.

O promotor Oliveira afirmou que foi ele quem pediu para a colega tentar o acordo. “Pedi a ela que verificass­e com os acusados se algum deles teria interesse de se beneficiar da delação, consideran­do, principalm­ente, a existência de uma testemunha que havia informado de que um dos acusados tinha manifestad­o esse interesse”, disse.

A Secretaria da Segurança Pública afirmou que, além dos três acusados na Justiça, outros quatro policiais respondem processos de expulsão da Polícia Militar por suspeita de envolvimen­to no caso.

DE SÃO PAULO

Os principais indícios contra os quatros acusados por participaç­ão na chacina que deixou 17 mortos há um ano na Grande SP se resumem a relatos de três testemunha­s, que acabaram fragilizad­os ao longo do processo.

De uma lista de quase 30 suspeitos, só três PMs e um guarda foram acusados. Eles se dizem inocentes.

Um deles, o PM Fabrício Eleutério foi reconhecid­o por um sobreviven­te. Essa testemunha, no entanto, disse ter problemas de visão e que, no dia do crime, não estava usando óculos. Depois, na Justiça, não conseguiu reconhecer o policial novamente.

A sogra e a namorada do PM afirmam que ele estava na casa delas na hora da chacina. Rastreador­es do celular e do carro usados por ele confirmam esse álibi. Pesa contra Eleutério o fato de ele já ter sido acusado de participaç­ão em outras chacinas.

Outro sobreviven­te apontou o PM Victor Cristilder, mas deu informaçõe­s desencontr­adas. Por exemplo, a testemunha disse que conhecia Cristilder, que morava na mesma rua que ele e que o PM tem o apelido de “Boy”. No endereço indicado, porém, vive outro PM, que tem justamente o apelido de “Boy”. Esse agente não foi investigad­o.

Outro indício contra Cristilder é uma troca de mensagens com o guarda municipal Sérgio Manhanhã, também preso pelos crimes. Na noite da chacina, os dois enviaram mensagens, um para o outro, com um símbolo de positivo.

Segundo a tese da Promotoria, esse sinal seria uma senha para que Manhanhã retirasse guardas do perímetro onde os ataques ocorreriam. A defesa dos dois contesta e diz que esse sinal se referia ao empréstimo de um livro.

Por último, o PM Thiago Henklain foi apontado por uma testemunha que afirmou o seguinte: um vizinho do policial ouviu uma briga em que a mulher de Henklain o acusou de ser um dos assassinos. Ela teria reconhecid­o o marido em imagens na TV.

Depois, essa testemunha e esse vizinho se recusaram a falar à Justiça. A mulher do PM negou.

Henklain era amigo e trabalhava no mesmo pelotão do policial que foi assassinad­o antes da chacina, morte que teria motivado os ataques. Henklain afirma que na hora da chacina estava ajudando um colega numa tarefa do quartel. Esse álibi nunca ficou provado. (RP E LM)

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