Indícios contra policiais perderam força no processo
DE SÃO PAULO
Dois PMs acusados de participação no ano passado na chacina de 17 pessoas em Osasco e Barueri (Grande SP) recusaram proposta de delação premiada oferecida pelo Ministério Público Estadual.
Feita em junho, essa oferta de colaboração em troca de possível redução da pena reforça a dificuldade admitida pela Promotoria em conseguir reunir provas para condenar os quatro acusados pelos crimes —incluindo os dois PMs.
Em entrevista à Folha neste mês, o promotor do caso, Marcelo Alexandre Oliveira, disse acreditar na culpa dos réus, mas deixou clara a dificuldade para condená-los.
“Vai ser bem difícil a condenação. Porque, de fato, não tem uma prova contundente, irrefutável”, disse ele, ressalvando depois que “as provas, analisadas conjuntamente, não deixam dúvidas [sobre a culpa dos quatro réus]”.
Os ataques ocorreram em em Osasco e Barueri, em 13 de agosto de 2015. A investigação apontou que os crimes foram uma retaliação às mortes de um PM e de um guarda municipal, em assaltos.
Segundo o promotor, os suspeitos buscaram não deixar evidências —como armas, veículos e ligações comprometedoras. Nos próximos dias, a Justiça deve decidir se os quatro irão a júri popular. A defesa pede o arquivamento do caso por falta de provas.
A proposta de delação foi feita aos PMs Thiago Henklain e Victor Cristilder, que estão presos desde outubro. Os outros dois réus, o policial militar Fabrício Eleutério e o guarda Sérgio Manhanhã, também presos, não tiveram essa mesma oferta.
A Folha tomou conhecimento da proposta ao analisar as cerca de 13 horas de gravações de audiências com testemunhas e réus do processo —que corre sob segredo de Justiça. A oferta da Promotoria é mencionada no interrogatório do PM Cristilder, no último dia 10, em Osasco.
O PM contou que foi procurado no presídio especial Romão Gomes (destinado a PMs) pela promotora Carmem Pavão Kfouri, que atua na Justiça Militar, mas não no processo da chacina.
“Ela foi sucinta e clara: ‘Cristilder, uma delaçãozinha premiada. O senhor não acha que é bom?’. Falei que era inocente. Ela disse: ‘Mas uma delação hoje é comum’. Eu disse que não tinha o que falar, pois sou inocente”, disse o policial. “Me senti coagido, ameaçado”, completou.
Advogado deste PM, João Carlos Campanini diz que o Ministério Público foi “antiético” ao procurar diretamente os réus para fazer a proposta. “A promotora fez isso nas costas de todo mundo, inclusive nas costas da juíza”, disse ele à reportagem.
Renato Marques, um dos defensores do soldado Henklain, também criticou a forma de ação da Promotoria.
A juíza afirmou, por meio da assessoria do Tribunal de Justiça, que “não tem conhecimento de eventual delação ou proposta de delação e não irá se manifestar sobre o que não tem conhecimento.” Também disse que não comentaria a “conduta de quaisquer profissionais”, em relação à promotora.
Já a promotora Carmem Pavão não se manifestou.
O promotor Oliveira afirmou que foi ele quem pediu para a colega tentar o acordo. “Pedi a ela que verificasse com os acusados se algum deles teria interesse de se beneficiar da delação, considerando, principalmente, a existência de uma testemunha que havia informado de que um dos acusados tinha manifestado esse interesse”, disse.
A Secretaria da Segurança Pública afirmou que, além dos três acusados na Justiça, outros quatro policiais respondem processos de expulsão da Polícia Militar por suspeita de envolvimento no caso.
DE SÃO PAULO
Os principais indícios contra os quatros acusados por participação na chacina que deixou 17 mortos há um ano na Grande SP se resumem a relatos de três testemunhas, que acabaram fragilizados ao longo do processo.
De uma lista de quase 30 suspeitos, só três PMs e um guarda foram acusados. Eles se dizem inocentes.
Um deles, o PM Fabrício Eleutério foi reconhecido por um sobrevivente. Essa testemunha, no entanto, disse ter problemas de visão e que, no dia do crime, não estava usando óculos. Depois, na Justiça, não conseguiu reconhecer o policial novamente.
A sogra e a namorada do PM afirmam que ele estava na casa delas na hora da chacina. Rastreadores do celular e do carro usados por ele confirmam esse álibi. Pesa contra Eleutério o fato de ele já ter sido acusado de participação em outras chacinas.
Outro sobrevivente apontou o PM Victor Cristilder, mas deu informações desencontradas. Por exemplo, a testemunha disse que conhecia Cristilder, que morava na mesma rua que ele e que o PM tem o apelido de “Boy”. No endereço indicado, porém, vive outro PM, que tem justamente o apelido de “Boy”. Esse agente não foi investigado.
Outro indício contra Cristilder é uma troca de mensagens com o guarda municipal Sérgio Manhanhã, também preso pelos crimes. Na noite da chacina, os dois enviaram mensagens, um para o outro, com um símbolo de positivo.
Segundo a tese da Promotoria, esse sinal seria uma senha para que Manhanhã retirasse guardas do perímetro onde os ataques ocorreriam. A defesa dos dois contesta e diz que esse sinal se referia ao empréstimo de um livro.
Por último, o PM Thiago Henklain foi apontado por uma testemunha que afirmou o seguinte: um vizinho do policial ouviu uma briga em que a mulher de Henklain o acusou de ser um dos assassinos. Ela teria reconhecido o marido em imagens na TV.
Depois, essa testemunha e esse vizinho se recusaram a falar à Justiça. A mulher do PM negou.
Henklain era amigo e trabalhava no mesmo pelotão do policial que foi assassinado antes da chacina, morte que teria motivado os ataques. Henklain afirma que na hora da chacina estava ajudando um colega numa tarefa do quartel. Esse álibi nunca ficou provado. (RP E LM)