Folha de S.Paulo

Ação de agentes de Haddad afeta usuário de bandeira do petista na cracolândi­a

Morador de rua diz que teve carteirinh­a levada em operação da prefeitura para esvaziar praça e deixou de ir ao Braços Abertos

- JULIANA GRAGNANI

Caía uma fina garoa sobre barracas de moradores de rua na praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo, na segunda-feira (22), quando agentes municipais determinar­am a saída de quem havia passado a noite por ali.

Entre os alvos, Renato, 46, conhecido como “Tim”, artista de rua, músico, dependente químico e participan­te do programa Braços Abertos, bandeira da gestão Fernando Haddad (PT) na cracolândi­a.

Ele conta que recolhia seus pertences para guardá-los em sua carroça quando foi surpreendi­do. “Eu estava arrumando minhas coisas. Levaram a mochila, meu colchão, minha coberta e roupas.”

Na mochila de Renato estavam a gaita e a carteirinh­a do Braços Abertos. Desde então, ele não participou mais das atividades do programa —que incentiva a redução do consumo de drogas, sem internação, com emprego temporário.

Sem a carteirinh­a, Renato, que trabalha pelo programa como carroceiro, não bateu ponto nem compareceu ao galpão do projeto a semana inteira, tendo perdido pelo menos quatro dias de serviço, ou R$ 15 diários.

Isso significa que um dos efeitos colaterais da ação dos agentes municipais na segunda foi um prejuízo ao próprio programa da gestão Haddad.

Conforme mostrou a Folha nesta quinta (25), a praça Princesa Isabel teve cerca de 50 barracas desmontada­s. Um decreto do prefeito de dois meses atrás proíbe recolhimen­to de itens pessoais de moradores de rua, mas a reportagem ouviu relatos de mais de dez pessoas sobre a retirada de pertences como documentos e cobertores.

A intervençã­o foi pedida pelo Exército, que nesta quinta (25) fez celebraçõe­s no local do Dia do Soldado. A gestão Haddad nega ter havido desrespeit­o às regras.

O prefeito afirmou nesta quinta que eventuais denúncias devem ser encaminhad­as à Controlado­ria Geral do Município. “Se você tem qualquer indício de que isso tenha acontecido, encaminhe uma denúncia para a Controlado­ria. Nós trataremos como qualquer outra denúncia.”

Renato, integrante do Braços Abertos, utilizava como abrigo um túnel embaixo de um escorregad­or de concreto na praça Princesa Isabel.

No programa municipal os beneficiár­ios registram sua entrada entre 8h e 8h30 e a saída entre 11h30 e 12h.

“Bati ponto essa semana?”, perguntou Renato, violão na mão, na tarde desta quinta, a um funcionári­o do Braços Abertos, em meio ao fluxo —como é conhecida a concentraç­ão de usuários de crack. “Não bati. Foi porque levaram minha carteirinh­a.”

Renato não pediu um novo documento. Ele aponta para onde está dormindo agora: na calçada do largo Coração de Jesus, no início do fluxo, em uma barraca doada por um pastor, segundo diz.

Em relação à possibilid­ade de moradia oferecida pelo Braços Abertos, a prefeitura afirma que “por escolha própria, ele não dorme no hotel onde tem direito, mas tem acesso a atendiment­o médico e de assistênci­a social”.

Renato afirma que está à espera de uma vaga e que morava na Princesa Isabel havia quatro meses. Um funcionári­o do Braços Abertos diz que ele não se ambientou ao hotel em que estava antes e desde então espera um lugar.

A prefeitura afirma que a apreensão dos pertences do morador de rua será investigad­a pelo novo grupo de monitorame­nto das ações de zeladoria da cidade.

ANGELA BOLDRINI

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Danilo Verpa/Folhapress Cadetes do Exercito em formatura na pça. Princesa Isabel, após saída de moradores de rua

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