Folha de S.Paulo

EUA investem US$ 30 milhões contra zika

Agência de combate à pobreza do país anunciou 21 projetos que receberão financiame­nto, incluindo um brasileiro

- REINALDO JOSÉ LOPES

Propostas incluem chinelo com repelente e uma armadilha da USP que identifica o aedes pelo bater de asas FOLHA

Um “campo de força” de baixo custo capaz de impedir a passagem de mosquitos, sandálias tratadas com inseticida que evitam picadas de insetos por seis meses e uma armadilha inteligent­e que identifica o Aedes aegypti pelo bater de suas asas estão entre os projetos de combate ao vírus zika que receberão um total de US$ 30 milhões da Usaid, agência do governo dos Estados Unidos de combate à pobreza.

A Usaid anunciou recentemen­te as primeiras 21 propostas vencedoras do programa (uma nova rodada de contemplad­os deve ser divulgada em breve). Uma delas, a da armadilha inteligent­e, foi bolada por pesquisado­res do ICMCUSP (Instituto de Ciências Matemática­s e de Computação da USP de São Carlos) e é a única ideia de cientistas brasileiro­s a ser aprovada por enquanto.

“Sabe-se que 80% dos locais de reprodução do Aedes aegypti estão em propriedad­es privadas, então a chave é motivar as pessoas a fazer o controle dentro das casas delas”, diz Gustavo Batista, coordenado­r da pesquisa.

Visto de fora, o sistema idealizado pela equipe da USP lembra um samburá (o recipiente de tela usado por pescadores para guardar peixes recém-pescados).

Dentro da armadilha, temos a isca — uma fonte de dióxido de carbono, gás liberado pela respiração que atrai os mosquitos sequiosos de sangue humano —, um ventilador estrategic­amente posicionad­o, papel adesivo e um sensor a laser.

Quando algum inseto voador se aventura lá dentro, o movimento de suas asas interrompe parcialmen­te a passagem do laser. É justamente o ritmo do voo — típico de cada espécie — que permite saber que o intruso é um A. aegypti, e não uma abelha inocente, digamos. No segundo caso, o inseto é automatica­mente devolvido à natureza; no primeiro, o mosquito da dengue é empurrado pelo Projeto do Instituto de Saúde Global de Barcelona propõe usar pulsos variáveis emitidos por campos elétricos, como "campos de força", capazes de repelir os mosquitos. Testes já mostraram que os os bichos tendem a evitar tais campos elétricos" Instituto de Pesquisa de Ifakara, na Tanzânia, propõe usar sandálias com tiras impregnada­s com transfluth­rin, um inseticida barato e potente. A ação do inseticida duraria cerca de seis meses, protegendo áreas muito picadas pelos mosquitos, os pés e os tornozelos ventilador rumo ao papel adesivo. A precisão do sistema é da ordem de 99%.

A captura em si, porém, não é o mais importante. O sistema vai contabiliz­ar os mosquitos capturados e repassar essa informação para um aplicativo de smartphone do dono da casa, via tecnologia Bluetooth.

“A partir daí, podemos sugerir medidas bem simples, como esvaziar recipiente­s de água após uma chuva. Uma semana depois, o sistema vai fazer uma nova contagem dos mosquitos capturados e informar se as ações deram resultado”, explica Batista, cujo projeto recebeu da Usaid um financiame­nto de US$ 500 mil pelos próximos dois anos.

Os dados também poderiam ser enviados pelo aplicativo para órgãos de vigilância epidemioló­gica, criando uma espécie de mapa colaborati­vo da presença do inseto em determinad­a região, desde que a pessoa que baixou o aplicativo aceite formalment­e compartilh­ar os dados. Antes de chegar a esse estágio, porém, ainda é preciso refinar alguns detalhes da armadilha, como, por exemplo, o uso de gás carbônico.

“Você precisa ter um tanque de gás com regulador de pressão, o que seria ultracompl­icado em grande escala”, diz Batista. Uma opção mais simples, que está sendo projetada em parceria com a empresa Isca Technologi­es, é um atrativo sintético baseado em odores florais — isso porque o principal alimento dos mosquitos é, na verdade, o néctar de flores (as fêmeas usam o sangue apenas como alimento especializ­ado para a maturação dos ovos). “Se isso funcionar em campo, teremos uma armadilha bem mais simples.” PROTEÇÃO CHOCANTE Já a equipe de Krijn Paaijmans, do Instituto de Saúde Global de Barcelona, tropeçou por acaso na possibilid­ade de criar um “campo de força” antizika.

Berta Domenech, pós-doutoranda do grupo, estava tentando capturar mosquitos com eletrostát­ica, tentando fazer com que grudassem numa rede, quando descobriu que o campo elétrico na verdade estava repelindo os bichos — eles mudavam seu padrão de voo para se afastar da fonte eletrônica.

A proposta do grupo da Espanha é refinar essa propriedad­e por meio de campos elétricos que variem de forma aleatória a sua força e frequência, de maneira que os mosquitos não consigam se acostumar com as emissões.

Sistemas do tipo seriam acoplados a telas, caixas portáteis e hastes, de maneira a proteger uma área específica, como um jardim ou uma casa. Eles também estão planejando criar variações que funcionem em locais sem rede elétrica, com a ajuda de baterias solares.

Na Tanzânia (África Oriental), um grupo do Instituto de Pesquisa de Ifakara resolveu apostar numa solução de baixíssimo custo ao propor chinelos e sandálias impregnado­s com doses duradouras de inseticida. Eles argumentam que seria possível evitar o uso constante e trabalhoso de repelentes no corpo com essa abordagem, protegendo os pés e tornozelos, áreas do corpo muito visadas pelo aedes.

Dos 21 projetos, 13 são dos próprios EUA. A Austrália, que também sofre com epidemias de dengue e investe em pesquisas contra as doenças provocadas pelo aedes, teve três projetos incluídos na lista.

Um deles é sobre o uso de mosquitos infectados com a bactéria Wolbachia, da Universida­de Monash, em Melbourne. A bactéria “vacina” o mosquito contra dengue, mostram estudos.

Pesquisado­res brasileiro­s, da Fiocruz de Belo Horizonte, mostraram em maio deste ano que a bactéria diminui muito e até elimina o risco de transmissã­o do vírus da zika.

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