Folha de S.Paulo

Vovó olímpica

- MARIANA LAJOLO COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC, terça: Edgard Alves, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sexta: Mariana Lajolo, sábado: Painel FC e Mariliz Pereira Jorge, domingo: Juca Kfouri, PVC e Tostão

OS JOGOS de 2016 foram um evento de afirmação para as mulheres. Enquanto em Londres a festa era por causa da inclusão delas em todas as modalidade­s, no Rio foram celebradas as performanc­es. Simone Biles dando um basta a comparaçõe­s e dizendo que não será “o novo Michael Phelps ou o novo Usain Bolt”, Katie Ledecky e Katinka Hosszu dominando a piscina, Rafaela Silva, mulher, negra, da favela, único ouro do judô brasileiro.

Os EUA levaram 292 mulheres à Olimpíada, 52,6% da equipe, um recorde.

Mas ainda há lacunas, e elas aparecem principalm­ente entre aqueles que guiam os atletas até o pódio. É muito raro ver mulheres ocupando o posto de treinadora­s na maioria das modalidade­s individuai­s e coletivas.

Ainda é uma barreira a ser quebrada. Como se elas fossem vistas como capazes de competir, mas não de orientar. O estigma só é quebrado ainda em esportes com predominân­cia feminina, como nado sincroniza­do e ginástica rítmica.

Por isso salta aos olhos o que há por trás de uma das performanc­es mais impression­antes dos Jogos. O sul-africano Wayde van Niekerk correu os 400 m rasos em 43s03 e derrubou um dos mais antigos recordes mundiais do atletismo, que já perdurava 17 anos. A marca anterior pertencia a Michael Johnson, uma lenda das pistas.

Quando o corredor cruzou a linha de chegada, uma vovó (bisa, na verdade) de cabelos bem brancos foi ao delírio na arquibanca­da. A imagem na TV não era da família de Niekerk celebrando. Era de sua treinadora.

Aos 74 anos, Anna Botha é a responsáve­l por uma transforma­ção técnica que levou o pupilo ao ouro e ao recorde. Tannie Nas (Tia Anna, na língua natal), como é conhecida, conheceu o corredor quando ele foi para a University of the Free State, em Bloemfonte­in, em 2012.

Ela comandava o time de atletismo desde 1990, mas ficou tensa ao assumir a carreira de um corredor deste nível internacio­nal. Sua primeira intervençã­o foi tirá-lo nos 200 m rasos por causa da quantidade de lesões que o atleta sofria. O foco seriam os 400 m.

Depois, ajudou Niekerk a mudar sua técnica para conseguir passadas mais amplas, no estilo de Usain Bolt —uma abordagem moderna, o que derruba também o preconceit­o de que uma técnica idosa seria incapaz de acompanhar conceitos atuais. Assim, o pupilo passou correr com mais eficiência e conservar a velocidade até o final da prova.

Com Niekerk no topo do pódio, Tia Anna não pensa em parar. Diz que ainda pode render mais, que nunca é tarde para aprender. Mulher, 74 anos, treinando um dos homens mais velozes do mundo. Basta só dar chance a elas.

Aos 74 anos, Anna Botha é a responsáve­l por uma transforma­ção técnica que levou o pupilo ao recorde

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil