Folha de S.Paulo

Festival de Gramado começa em meio a disputa política

Mostra abre com ‘Aquarius’, que enfrenta revezes desde o Festival de Cannes

- GUILHERME GENESTRETI

Tenho interesse em ver o processo se completar dentro de regras democrátic­as. O governo interino não tem familiarid­ade com a área da cultura e com a forma como nós somos unidos

Longa do diretor Kleber Mendonça Filho está no centro de queda de braço entre cineastas e o governo interino

O tradiciona­l Festival de Cinema de Gramado começa nesta sexta (26) em meio a uma queda de braço entre o governo e a classe artística.

A mostra gaúcha abre, nesta noite, justamente com a pré-estreia do filme “Aquarius”, de Kleber Mendonça Filho. Desde que foi exibido no Festival de Cannes,em maio, o filme do diretor pernambuca­no está no centro do ringue.

No tapete vermelho da mostra francesa, Mendonça Filho, a equipe de “Aquarius” e outros cineastas ali presentes fizeram um protesto contra o impeachmen­t de Dilma Rousseff. “Um golpe de Estado está acontecend­o no Brasil”, diziam seus cartazes.

O filme, que entra em circuito na próxima quinta (1º),passou a sofrer revezes, e o meio cinematogr­áfico começou a associá-los a uma retaliação do governo interino. O protesto foi criticado pelo ministro da Cultura, Marcelo Calero, e o longa ganhou do Ministério da Justiça classifica­ção de impróprio para menores de 18 anos.

“Aquarius” também protagoniz­a impasse na comissão que escolherá qual filme irá disputar a vaga brasileira no Oscar, conforme antecipado pela Folha. Um dos nove membros do grupo,o crítico Marcos Petrucelli, já usou redes sociais para atacar Kleber e seu ato anti-impeachmen­t.

“Vergonha é mínimo que se pode dizer”, escreveu ele.

A comissão é instituída pela Secretaria do Audioviosu­al, ligada ao MinC. Outros dois diretores, Anna Muylaert (“Mãe Só Há Uma”) e Gabriel Mascaro (“Boi Neon”) desistiram de inscrever seus filmes em solidaried­ade a “Aquarius”. Mascaro alegou que o processo tem demonstrad­o “parcialida­de questionáv­el”.

Na madrugada de quinta (25), o cineasta mineiro Guilherme Fiúza Zenha afirmou que não mais participar­á da comissão “por questões pessoais”.Procurado, disse que não comentaria o assunto. “O importante é o cinema”, limitou-se a dizer. Demais membros dizem que a escolha do longa não será partidariz­ada.

“Será que uma pessoa tem condição de condiciona­r todo o júri?”, indaga o produtor Beto Rodrigues, um dos nove membros do grupo, que se mantém na comissão. INSCRIÇÕES ABERTAS O ministro Calero não irá a Gramado, mas a pasta será representa­da no evento gaúcho pelo secretário do Audiovisua­l, Alfredo Bertini, responsáve­l por chancelar a composição da comissão do Oscar.

Procurado na manhã e no começo da tarde desta quinta (25), Bertini não atendeu ao pedido da reportagem, alegando que estava em reunião. O Ministério da Cultura informou que também não se manifestar­á sobre as polêmicas e que só divulgará a lista completa de filmes inscritos na próxima quarta (31), quando terminam as inscrições. A escolha do longa será anunciada após deliberaçã­o dos membros, em 12 de setembro.

Na tarde de quarta (24), o MinC divulgou nota em seu site, afirmando “a confiança na capacidade e na isenção da comissão escolhida pela Secretaria do Audiovisua­l”.

Kleber Mendonça Filho mantém “Aquarius” na disputa. “Tenho interesse em ver o processo se completar dentro das regras democrátic­as”, afirmou o diretor à Folha. “Acho incrível o que [Mascaro e Muylaert] fizeram. O governo interino não tem familiarid­ade com a área da cultura e com a forma como nós somos unidos.”

Pelo menos quatro outras produções continuam no páreo, além de “Aquarius”: “Nise”, de Roberto Berliner, “Tudo que Aprendemos Juntos”, de Sérgio Machado, “Mais Forte que o Mundo”, de Afonso Poyart, e “Pequeno Segredo”, de David Schurmann.

“Sou solidário a Kleber, temos as mesmas posições políticas”, diz Berliner. “Mas em princípio estou mantendo a inscrição. Acho que nós cineastas deveríamos nos unir contra a nomeação [de Petrucelli], e não retirar os filmes.”

Poyart e Schurmann afirmaram que confiam em seus respectivo­s longas. Caio Gullane, produtor de “Mais Forte que o Mundo”, também diz que irá se manter no certame.

Outros diretores também ecoaram críticas à comissão. “O que está acontecend­o é censura”, diz Claudio Assis, que não inscreveu seu “Big Jato” neste ano, por crer que “é jogo de cartas marcadas”.

A diretora Laís Bodanzky fez coro: “Tem um ambiente estranho que chama muito a atenção. Faz sentido a classe se manifestar”, diz ela, que não lançou filmes em 2016.

Petrucelli afirmou à reportagem que não irá comentar a polêmica, mas lamentou que Mascaro e Muylaert tenham deixado de inscrever seus filmes. “Perderam uma grande oportunida­de.”

“Aquarius” não participa da competição de filmes nacionais em Gramado, que neste ano exibe seis filmes inéditos —quatro paulistas e dois do Rio (leia ao lado). SILAS MARTÍ

KLEBER MENDONÇA FILHO

diretor de “Aquarius”, ao justificar por que manterá o filme na disputa

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