Folha de S.Paulo

O Acordo de Paris, tratado assinado por 195 países para

Evitar desarranjo climático no planeta, obriga o Brasil a deixar de se basear só em projeções conservado­ras e a mostrar que a descarboni­zação da economia é viável

- MARCELO LEITE

Acompanhar o debate sobre mudança do clima e energia significa viver sob o signo da ansiedade. Há um abismo a separar o que seria preciso fazer —descarboni­zar a economia— e o que os governos fazem e se preparam para fazer a fim de livrar-se da dependênci­a de combustíve­is fósseis, como o petróleo.

A necessidad­e está posta pelo Acordo de Paris, adotado por 195 países em dezembro do ano passado.

O tratado diz ser imprescind­ível conter o aqueciment­o global abaixo de 2°C para evitar um desarranjo climático no planeta, que prejudicar­á sobretudo as populações mais pobres com secas, ondas de calor e enchentes.

Alcançar esse objetivo implica eliminar as emissões de gases do efeito estufa por volta do ano 2050. Essa poluição climática decorre principalm­ente da queima de combustíve­is fósseis (carvão mineral, derivados de petróleo e gás natural), que produz dióxido de carbono (CO2), o principal desses gases problemáti­cos.

Em poucos países o descasamen­to entre objetivo inescapáve­l e trajetória das políticas é tão flagrante quanto no Brasil. Ao mesmo tempo em que se engajava nas negociaçõe­s de Paris e adotava metas razoáveis para reduzir emissões, Brasília sempre manteve a fé no pré-sal como alavanca mestra de sua estratégia de desenvolvi­mento.

Tal opção preferenci­al pelo fóssil agora perde terreno, mas não porque se reconheça a contradiçã­o. Na verdade, as negociatas paralelas é que dilapidara­m o potencial de investimen­to da Petrobras.

Esse capítulo sombrio da história nacional obscureceu um dos avanços mais promissore­s no rumo da descarboni­zação: o cresciment­o das fontes de energia alternativ­a como a eólica (ventos) e a biomassa (bagaço de cana) na matriz elétrica brasileira.

Só essas duas, sem subsídios, devem terminar este ano com uma participaç­ão de 13%. Os avanços tecnológic­os e ganhos de escala já as tornaram competitiv­as, e o mesmo deve ocorrer em breve com a eletricida­de de fonte fotovoltai­ca (painéis solares).

Pode parecer utópico chegar a 1 milhão de telhados com placas em 2020, eletrifica­r o setor de transporte­s ou arquivar os planos do pré-sal e de novas usinas hidrelétri­cas na Amazônia, como propõe o Greenpeace no relatório “[R]evolução Energética”.

Por outro lado, basear-se só em projeções realistas (ou conservado­ras) nunca servirá para aproximar o país do que lhe cabe realizar pelas metas de Paris. Ao contrário.

Muitos especialis­tas dizem que a descarboni­zação é factível, do ponto de vista físico e tecnológic­o. Cabe a todos, de ora em diante, demonstrar que ela também é viável, social e economicam­ente.

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