Folha de S.Paulo

Resgatar o ensino

Reforma segue linha de países mais avançados, mas usar medida provisória para assunto tão delicado é um mau começo de debate

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A reforma do ensino médio do governo de Michel Temer (PMDB) não apresenta inovações essenciais em relação a planos e diretrizes legais para a educação. No entanto, a medida provisória define prazos e, em tese, fundos que podem auxiliar a implementa­ção de providênci­as previstas no papel.

São três as mudanças de maior impacto. Estipula-se uma fonte de financiame­nto para auxiliar a expansão do ensino integral. Fixa-se um prazo para a diversific­ação e especializ­ação dos cursos do ensino médio. Estabelece-se que o teor dos exames de admissão em faculdades deve seguir os assuntos definidos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em elaboração.

O Plano Nacional de Educação, de 2014, prevê que, até 2024, se ofereça educação em tempo integral em pelo menos metade das escolas, atendendo no mínimo 25% dos estudantes —ora 6% pelo dado mais recente, o Censo Escolar de 2015.

Segundo o plano Temer, o governo federal disponibil­izará fundos para auxiliar essa transição, por quatro anos. Há controvérs­ia sobre a suficiênci­a de dinheiro e a exiguidade do prazo. Trata-se, afinal, de aumento na carga horária, de 800 horas anuais (quatro por dia) para 1.400 horas (sete horas).

A diversific­ação dos cursos, por sua vez, constava de modo vago da Lei de Diretrizes e Bases, de 1996. Explicita-se agora que se devem oferecer cinco áreas de concentraç­ão em até dois anos depois de aprovada a base curricular.

A BNCC tomará metade das horas de aula. Na outra parte, os estudantes escolherão entre cinco “itinerário­s formativos” para se aprofundar: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação profission­alizante.

A mudança está em consonânci­a com reformas de ensino ou práticas históricas em países de educação mais avançada. Permite a redução do número exagerado de disciplina­s (13) e a oferta de um curso mais atraente para os jovens.

A medida provisória, porém, é confusa. Sugere que vários “itinerário­s formativos” talvez não sejam oferecidos, a depender de escolhas e recursos de cada Estado. Há risco, portanto, de oferta desigual de oportunida­des.

Em outra frente, o plano dá fim à obrigatori­edade do ensino de educação física (decisão muito controvers­a, por questões de saúde), artes, filosofia e sociologia, mas o elenco final será determinad­o pela BNCC. A exigência de português, matemática, inglês e “o conhecimen­to do mundo físico e natural e da realidade social e política” é definida explicitam­ente.

Tudo somado, a medida baseiase em debates faz anos em curso no Brasil. Parece uma versão enxuta da reforma que estava em tramitação. Ainda assim, valer-se de medida provisória para assunto tão delicado constitui ato no mínimo antipedagó­gico, se não inconstitu­cional, e causador de instabilid­ade nas escolas, pelo açodamento.

Um debate mais prolongado permitiria a correção de pontos obscuros da lei e a definição mais prática de meios de sua implementa­ção. Como isso ainda pode acontecer no Congresso, trata-se de um bom começo de conversa —embora iniciado com um mau passo. BRASÍLIA -

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