Folha de S.Paulo

Condenados à extinção

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RIO DE JANEIRO - Sempre foi assim. Um dia, o sujeito olhava em volta e se dava conta de que, enquanto ele estava distraído, certas funções tinham deixado de existir. Aconteceu, por exemplo, quando as cidades brasileira­s instituíra­m minimament­e um sistema de esgotos. Isso eliminou a humilhante tarefa, reservada aos escravos, de recolher os dejetos nas casas, transportá-los em balaios pelas ruas e despejá-los no mar. Já a luz elétrica aposentou o acendedor de lampiões. E o automóvel tornou inútil o aguadeiro — aquele que dava água aos cavalos.

Os leiteiros, tão populares há 50 anos com suas garrafas, extinguira­m-se. O leite passou a vir em caixas nos supermerca­dos — além disso, exceto eu, ninguém mais parece tomá-lo, nem os gatos. Os datilógraf­os também sumiram — no passado, só algumas pessoas sabiam escrever à máquina; com o computador, todo mundo já nasce digitando. Outra vítima do computador foi o linotipist­a, aquele que “compunha” os textos nas gráficas — hoje, qualquer um é o seu próprio linotipist­a.

Leio no “Globo” sobre algumas profissões que em breve desaparece­rão — operador de telemarket­ing, consertado­r de relógio, caixa de banco, árbitro de futebol ou de vôlei, corretor de imóveis, trabalhado­r rural — e me coloco no lugar das pessoas que ainda hoje as exercem. Como será estar profission­almente condenado à extinção e saber disso?

Em compensaçã­o, observo que outras atividades parecem mais prósperas do que nunca: passeador de cachorro, cantor evangélico, segurança de celebridad­e, personal trainer, manicure a domicílio, D.J., grafiteiro, tatuador. Como se vê, nem tudo está perdido.

Mas o que gosto mesmo é de ouvir o vendedor de vassouras que até hoje passa sob a minha janela no Leblon, gritando “Olha a vassoura, olha o vassoureir­o!”. Soa delicadame­nte a 1916. Ou a 1816.

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