Folha de S.Paulo

Façam como o Celso

- CELSO ROCHA DE BARROS COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Celso Rocha de Barros, terça: Mario Sergio Conti, quarta: Elio Gaspari, quinta: Janio de Freitas, sexta: Reinaldo Azevedo, sábado: Demétrio Magnoli, domingo: Elio Gaspari e Janio de Freitas

NÃO EU, o Furtado. Em 1962, Celso Furtado se tornou Ministro do Planejamen­to. A situação era desesperad­ora. A inflação subia, os desequilíb­rios se acumulavam e a democracia estava morrendo. A nomeação de Furtado foi um dos maiores “se vira aí, famosão” da história brasileira.

O que fez o famosão? Bolou um plano econômico que, além de enfrentar problemas imediatos, tentava conciliar os interesses em conflito no que era uma profunda crise social. Os detalhes não importam aqui, pois remetem aos problemas da época.

O que me interessa é o espírito da coisa: fazer, ao mesmo tempo, o ajuste econômico exigido pela direita (que era necessário) e políticas de redistribu­ição pedidas pela esquerda, como reforma agrária (o que também teria sido uma boa ideia).

Ninguém apoiou, durou só seis meses, tudo seguiu degringola­ndo até 1964 e, aí, enfim. Hoje parece que tudo isso era inevitável, mas não era: havia acordos inteiramen­te factíveis que não foram feitos.

Neste momento em que as coisas tampouco parecem ir muito bem, sugiro que pensemos como Celso Furtado em 1962, e tentemos conciliar o ajuste com medidas redistribu­tivas que possam responder à crise social e política que vivemos. Fazer ao mesmo tempo, por exemplo, reforma da Previdênci­a e um sistema tributário mais progressiv­o.

No fim das contas, será necessário negociar com os sindicatos qualquer reforma que se proponha. Minha proposta é que os sindicatos não se limitem a defender o máximo possível do status quo, mas também apresentem medidas para resolver parte do problema fiscal com mais impostos sobre quem pode pagar.

Vale lembrar, medidas redistribu­tivas são necessária­s porque a estratégia de combate à desigualda­de adotada até aqui —tornar o gasto mais progressiv­o, mesmo que a tributação não o seja— pode perder impacto com as reduções de gastos previstas.

O Brasil tem gente boa —na academia, no Ipea, na equipe econômica de Temer, na última equipe econômica de Dilma— para discutir cada aspecto desse programa.

Eu sei, o mais provável é que ninguém faça nada disso no clima político envenenado em que vivemos. Mas, antes de descartar a saída Furtado, sugiro ao leitor que considere a alternativ­a que, no momento, parece mais provável.

O plano atual parece ser comprar no Congresso as reformas com um “acordão” que contenha os danos causados pela Lava Jato, como o que foi tentado na segunda-feira passada; e torcer para que a esquerda não consiga mobilizar os insatisfei­tos com as reformas. Pode dar certo.

Mas, mesmo se der, é isso que somos agora? Teremos uma Constituiç­ão de 2017 aprovada deste jeito?

Se não fizermos um acordo na sociedade civil, não teremos só que tolerar o acordo no Congresso. Teremos que torcer para ele dar certo. Será a única conciliaçã­o nacional possível, e não teremos até 2018 um governo forte o suficiente para dispensar algum tipo de conciliaçã­o.

Será muito triste se tivermos que nos conformar com isso.

PS: fiquem tranquilos, a vantagem de ser um Celso menor, que nunca escreveu uma interpreta­ção clássica sobre o Brasil, é que ninguém precisa derrubar governo por discordar do meu programa. Se foi por isso que derrubaram o último, foi claramente excessivo.

Sugiro que pensemos como Celso Furtado e tentemos conciliar o ajuste com medidas redistribu­tivas

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