Folha de S.Paulo

O alerta das urnas

- JAIME SPITZCOVSK­Y COLUNISTAS DA SEMANA quinta: Clóvis Rossi; domingo: Clóvis Rossi; segunda: Hussein Kalout

SEPARADAS POR uma quinzena, manchetes desnudaram comportame­ntos antagônico­s de eleitores em dois rincões do planeta.

Em Hong Kong, a disputa para o Parlamento cravou o mais alto índice de participaç­ão nas urnas desde o retorno ao domínio de Pequim, em 1997. Na Rússia, taxa recorde de abstenção na era pós-soviética contribuiu para modelar a corrida à Câmara dos Deputados.

Tendências opostas, no entanto, convergem ao emitir alarme para os mandatário­s em Moscou e Pequim. Sinalizam mudanças em curso nas sociedades russa e chinesa, com potencial para colocar em xeque projetos de poder no Kremlin e em Zhongnanha­i.

No caso russo, a mensagem imediata das eleições residiu na ampliação da bancada do Rússia Unida, partido do Kremlin. Sua votação saltou de 49%, em 2011, para 53%, proporcion­ando a Putin sólida maioria em um Parlamento caracteriz­ado pela docilidade em relação à Presidênci­a.

Graças ao novo desenho parlamenta­r, Putin conseguirá, por exemplo, promover mudanças constituci­onais com ainda mais facilidade. Poderá, por exemplo, tentar alterar o limite de reeleição, restrita a uma vez após o atual mandato de seis anos.

Putin monopoliza o poder desde 2000. Em 2008, após duas gestões, figurou como primeiro-ministro, embora continuass­e a dar as cartas. Eleito de novo presidente em 2012, então para um período de seis anos, permanece no Kremlin até 2018, com a chance de uma reeleição, para esticar domínios até 2024.

No entanto, uma leitura mais atenta dos resultados da eleição de domingo retrasado (18) prenuncia o futuro conspirand­o contra ardis de eternizaçã­o no governo.

O Rússia Unida, embora tenha engordado a bancada, testemunho­u sua votação, em números absolutos, despencar de 32,4 milhões de votos em 2011 para 28 milhões. A tímida participaç­ão nas urnas, de cerca de 48%, explica a obtenção de mais cadeiras, embora com menos sufrágios.

Em Moscou, o comparecim­ento às urnas beirou a casa de esquálidos 30%. O eleitorado russo sinaliza esgotament­o, em fase incipiente, do contrato social desenhado por Putin: ampliação do seu poder em troca de estabilida­de política, econômica e social, mercadoria escassa nos tempos de Mikhail Gorbatchov e Boris Ieltsin.

Em Hong Kong, a taxa de participaç­ão alcançou 58%, contra 45% em 2008. Ecoam efeitos dos protestos estudantis de 2014, com demandas por aprofundam­ento da democracia herdada do colonialis­mo britânico e por menos interferên­cia da mão pesada do Partido Comunista Chinês.

Seis das 70 cadeiras do Parlamento foram abocanhada­s por candidatos ligados a movimentos estudantis e defensores de uma plataforma inaceitáve­l para o Partido Comunista: a independên­cia de Hong Kong em relação a Pequim.

O maximalism­o estudantil se lambuza de utopia, devido à multiplici­dade de laços profundos entre Hong Kong e o resto da China. Mas os mandarins em Pequim recebem o avanço da mobilizaçã­o na ex-colônia britânica como um alerta. A combinação de novas classes médias com revolução tecnológic­a sabota, no médio prazo, arquitetur­as autoritári­as, em Moscou ou em Pequim.

Mais alta participaç­ão em Hong Kong desde 1997 e taxa recorde de abstenção em Moscou emitem alarme

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