Folha de S.Paulo

ENTREVISTA DA 2ª Divisão política na Colômbia pós-acordo com Farc é paradoxo

ÚNICO REMANESCEN­TE DO PRIMEIRO TIME QUE NEGOCIOU FIM DE CONFLITO CONTRA GUERRILHA DIZ QUE O BRASIL AJUDOU A INICIAR O PROCESSO

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de Uribe com Hugo Chávez (1954-2013). Pelo lado das Farc, assumiu um novo secretaria­do que não parecia querer inaugurar seus trabalhos dando um sinal de debilidade, ou seja, querendo já iniciar negociaçõe­s de paz.

Então houve um período de suspense. Assim que Santos foi eleito, Uribe me disse: “conte tudo ao presidente”. Me reuni com ele e contei até onde tínhamos caminhado.

Em seu discurso inaugural, em 2010, Santos disse que tinha a chave para a paz. E a primeira coisa que fez, então, foi reaproxima­r-se de Chávez, porque então o apoio do Equador e da Venezuela passariam a ser essenciais.

Celso Amorim [então ministro das Relações Exteriores] me confirmou que o Brasil estava disposto a cooperar e me ofereceu um mapa de lugares em que poderíamos nos encontrar com a guerrilha em território brasileiro, nessa primeira fase, que era até então secreta

Quando o Brasil sumiu desse processo, e por quê?

O Brasil foi se afastando. Em 2014, principalm­ente, creio que por conta do momento político interno, o governo deve ter achado que seguir apoiando essas negociaçõe­s poderia impactar de modo negativo a reeleição do PT. Mas nunca o Brasil deixou de dizer que apoiava a paz, nós só passamos a não poder contar com essa base para as negociaçõe­s. Como o sr. explica que um número alto de colombiano­s esteja contra a ideia da paz?

Não subestimo as preocupaçõ­es dos que se opõem ao acordo, porque elas são legítimas e importante­s. Há gente que tem medo. Durante toda a negociação, estivemos com essa preocupaçã­o em mente. Muitas dessas preocupaçõ­es têm a ver com a questão da Justiça especial para a guerrilha. Os uribistas dizem que o acordo dá margem à impunidade porque diz que delitos de lesa humanidade não são anistiávei­s, mas ao mesmo tempo afirma que crimes com “conexão política”, sim, podem ser anistiados. Não é uma brecha para delitos graves?

Não,issonãovai­acontecer. As Farc obviamente podem tentar, vão querer alegar que tal assassinat­o ou sequestro teve conexão política. Mas nenhum tribunal vai aceitar.

Você amarrar uma pessoa a uma árvore e deixá-la por anos é uma extrema privação de liberdade, é tortura, trata-se de um crime de lesa humanidade, não anistiável. Eles poderão dizer que é um Esse indivíduo vai continuar morando em sua casa, com sua família, sem vigilância?

Depende. Se ele colocou minas num local distante de onde vive, vai ter de ficar lá até a pena acabar. Com um soldado vigiando sua porta, isso o tribunal irá decidir. As restrições serão definidas de acordo com as penas.

Sei que a sociedade resiste a ter um ex-guerrilhei­ro trabalhand­o ao lado de sua casa. Mas, com o tempo, com atividades sociais e culturais previstas, será criada uma nova socializaç­ão.

Sabemos que o acordo não é perfeito. É uma solução imperfeita, mas que é boa. O sr. está nesse processo desde o governo anterior. Como vê agora o ex-presidente Uribe voltar-se contra Santos?

Essa disputa é desnecessá­ria e precisa se resolver. A paz deve estar acima da política.

Não minimizo as críticas de Uribe, que são importante­s e representa­m o que pensa parte dos colombiano­s.

O grande paradoxo é termos logrado um acordo com as Farc, depois de tanto esforço, e agora, deste lado da mesa, entre cidadãos que sempre cumpriram com a lei, estejamos tão divididos. E se ganhar o “não”, o que vai ocorrer?

Voltaremos à estaca zero. Pior, quando se rompem processos como este, se radicaliza­m as posições. As Farc vão querer fazer demonstraç­ões de força, e o Estado também. Voltaremos a estar em guerra. Voltar a uma mesa de negociação levaria anos.

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