Folha de S.Paulo

Onde o ônibus foi levado após a intercepta­ção rodoviária.

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ENVIADO ESPECIAL A CIUDAD DEL ESTE (PARAGUAI) E A FOZ DO IGUAÇU (PR)

Os áureos tempos em que era muito vantajoso viajar até 25 horas dentro de um ônibus para fazer compras no Paraguai e depois revender as mercadoria­s ficaram para trás. A rotina dos sacoleiros que persistem na atividade se transformo­u em uma batalha diária de “gato e rato”.

Os sacoleiros quase desaparece­ram do cenário de Foz do Iguaçu e da vizinha paraguaia Ciudad del Este, em comparação a décadas atrás.

Apesar de afetados por fatores como a alta do dólar nos últimos anos, a crise econômica no país, a concorrênc­ia do contraband­o profission­al, o risco de roubos nas estradas e o acirrament­o das fiscalizaç­ões, eles não foram extintos.

Se, até dez anos atrás, a fronteira entre os países chegava a receber mil ônibus num dia, com sacoleiros principalm­ente do Sudeste e Sul do país, esse número hoje não passa de cem, segundo a Receita Federal em Foz, responsáve­l pela fiscalizaç­ão na ponte da Amizade e no entorno da cidade paranaense.

“Ainda existem, mas temos recebido cada vez menos esse tipo de público”, disse Carlos Silva, presidente do Sindhotéis (sindicato de hotéis, restaurant­es e bares) de Foz.

O limite de US$ 300 (R$ 974) para compras, isento de impostos, e exigências embutidas nele são vistos por sacoleiros como obstáculos, que tentam driblá-los das mais variadas formas.

A Folha acompanhou uma operação da Receita na região da fronteira, que apreendeu em São Miguel do Iguaçu dois ônibus, de Curitiba (PR) e Joinville (SC), com produtos proibidos e excesso de bagagem.

No veículo com 36 passageiro­s que tinha como destino a cidade catarinens­e, foram apreendida­s mercadoria­s que somam US$ 33.800 (R$ 109,7 mil), dos quais US$ 4.900 (R$ 15.915) foram pegos por agentes em revistas pessoais que contaram com situações inusitadas.

Um passageiro escondia iPhones dentro das palmilhas dos calçados, enquanto outro tentava disfarçar ampolas de anabolizan­tes em meio a copos de água mineral. Um terceiro, que tinha comprado mais de 20 relógios iguais, tentou distribui-los nos pulsos dos colegas do ônibus.

As meias também serviram de esconderij­o para smartphone­s, assim como o banheiro do ônibus, que guardava remédios. Um, sem saber o que fazer com a calça de grife que comprou, resolveu vesti-la. Só se esqueceu de retirar as etiquetas.

“Comprei 12 tapetes, a R$ 90 cada um. Venderia por R$ 140 e faria uns trocados para ajudar a família, ainda mais agora, que sou pai”, disse Cristiano Ribeiro, 29, que desceu do ônibus com a calça ainda etiquetada. Além de ter estourado a cota, sua compra —de vários produtos repetidos— foi avaliada pelos agentes como sendo de destinação comercial, o que é vetado, independen­temente do valor.

O ônibus poderia ter, no máximo, US$ 10.800 em mercadoria­s para se enquadrar na lei, pois transporta­va 36 passageiro­s, segundo o motorista. A revista e a contagem foram feitas na delegacia, para VIA RÁPIDA A revista na BR-277 ocorreu às 12h15 da última quarta (21). Três minutos depois, a ação já era conhecida por grupos de sacoleiros que trocam, via WhatsApp, informaçõe­s sobre fiscalizaç­ões da polícia (Rodoviária e Federal) e da Receita.

“Receita, duas camionetes, pedágio de São Miguel, parou dois ônibus”, dizia o alerta, lamentado por usuários dos grupos aos quais a reportagem teve acesso e que contam com membros de todo o país.

No ônibus que ia para Curitiba, 27 passageiro­s transporta­vam US$ 38.900 em mercadoria­s, US$ 1.440,74 per capita. Só um passageiro cumpriu o limite e levou as compras para casa. Os demais perderam tudo.

“Os consumidor­es podem trazer mercadoria­s originais de qualquer valor, desde que paguem o imposto de 50% sobre o que exceder US$ 300. Só que a declaração tem de ser feita no setor primário, que é a aduana na ponte da Amizade”, disse Paulo Kawashita, chefe da equipe operaciona­l da Receita.

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Fabio Braga/Folhapress Movimento em rua de comércio em Ciudad del Este, no Paraguai, destino de sacoleiros

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