Folha de S.Paulo

Carro, o pior investimen­to do mundo

- LEÃO SERVA COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; terça: Rosely Sayão; quarta: Francisco Daudt; quinta: Pasquale Cipro Neto; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

QUINTA-FEIRA PASSADA (22) foi o “Dia Mundial Sem Carro”, mas os congestion­amentos não diminuíram. O uso do automóvel para deslocamen­tos nas grandes cidades é uma burrada imune aos alertas, como o cigarro, que resistiu até o fim do século 20 às evidências de que causa câncer. A propaganda de carros continua oferecendo virilidade e glamour, enquanto entrega congestion­amento, estresse, doenças e aqueciment­o global.

É por isso mesmo surpreende­nte ver que segue constante o percentual das pessoas que dizem reduzir de alguma forma o uso do carro. Desde a pioneira pesquisa feita pelo sociólogo Antônio Lavareda para o guia “Como Viver em São Paulo Sem Carro” (2012) até o levantamen­to divulgado pelo Ibope na semana passada, os números estão constantes em torno de 50%. Ou seja: metade dos moradores da maior cidade do Brasil buscam jeitos de usar menos o automóvel.

Há muitas razões para isso. Se uma pessoa pensar direito não usará carro próprio para se locomover. Em primeiro lugar, tem a irracional­idade do próprio hardware: ele gasta cerca de 95% do combustíve­l para levar a si mesmo. Faça a conta: um veículo médio pesa cerca de 1.500 quilos. E o motorista, 75 kg (5%). E os carros levam geralmente só uma pessoa. Quer coisa mais irracional?

A loucura é ainda maior se pensarmos no uso que fazemos do automóvel. Os usuários em São Paulo andam em média 20 km por dia, em viagens de duas horas (os números não são muito diferentes em outras grandes cidades). As demais 22 horas do dia, o carro dorme (92% do tempo). Calcule se o preço de compra fosse investido: você admitiria que seu banco pagasse juros apenas por duas horas do dia? É por isso que uma empresa financeira norte-americana, Morgan Stanley, chamou o carro de “o ativo mais mal utilizado do planeta”…

Quer mais? Os bancos não pagam juros apenas por duas horas do dia. Em verdade, remuneram os investimen­tos por todos os 365 dias do ano. Então, se você investe o valor do carro, digamos R$ 40 mil, depois de um ano pode ter algo como R$ 45 mil. Mas se você comprar um carro, 12 meses depois ele vale apenas cerca de R$ 32 mil.

Além de perder 20% anualmente, o “possante” ainda custa mais. O IPVA, imposto obrigatóri­o, custa em torno de 2,5% do valor do veículo (R$ 1.000 para nosso exemplo); o seguro custará algo em torno de 4% (R$ 1.600). E, infelizmen­te, carros precisam de manutenção, cerca de 3% do custo do veículo: some mais R$ 1.200. Ôps: só para existir o veículo já está custando quase 10% do preço, além da desvaloriz­ação de 20%. Ou seja, se o banco paga 15% sobre o investimen­to, o carro cobra 30%...

De todos os custos associados ao uso do automóvel, talvez os mais absurdos sejam os indiretos: os incentivos fiscais que os governos dão para beneficiar quem usa carros. Em um artigo publicado na revista “The Atlantic”, Edward Humes calcula que o custo da gasolina deveria ser cinco vezes maior que o atual (no Brasil, a diferença é subsidiada). Veja ainda quanto sua prefeitura gasta com construção de pontes e avenidas, asfaltamen­to de ruas, hospitais para vítimas de doenças relacionad­as ao uso do carro…

Os governos usam dinheiro de todos para agradar os donos de automóveis, geralmente mais ricos. É isso que torna mais lenta a redução do uso dos carros particular­es nas grandes cidades.

Congestion­amentos, custos e poluição destruíram o glamour do automóvel, que hoje é associado a doença

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil