Folha de S.Paulo

Bicho-papão subiu no telhado

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SÃO PAULO - Esta campanha comeu um bicho-papão das eleições. Ele se chama privatizaç­ão e nas últimas décadas assombrou montes de candidatos que temiam ser triturados apenas por mencionar a palavra.

Sua vítima mais famosa foi Geraldo Alckmin, que em 2006 protagoniz­ou um fenômeno: perdeu partes do eleitorado na passagem do primeiro para o segundo turno após vestir uma jaqueta com o tal fantasma.

Como a história adora uma ironia, coube a um pupilo de Alckmin o papel mais estridente contra o monstro. Ninguém pode dizer que não sabe o que João Doria pensa da iniciativa privada. Estádio, autódromo, centro de convenções, faixas de ônibus, parques, mercados, cemitérios —dificilmen­te ele poderia ser mais claro.

Por mais volátil que esteja, o eleitorado paulistano já mostrou ver com bons olhos a mensagem. Doria era pouco conhecido no início da corrida. Com a difusão de suas propostas, cresceu seguidamen­te, assumiu a liderança e manteve baixa a rejeição.

O tucano não é raio em céu azul. Marta Suplicy vai nessa linha (“eu saí do PT”, justifica). No Rio, até o PSOL baixou a guarda (“Há áreas em que parcerias com o setor privado são boas”, diz Marcelo Freixo).

A semente anti-estatista germina em solo fértil. O depauperam­ento fiscal dos diversos governos é gritante. A Lava Jato expôs o maior ralo de dinheiro público já visto. Se a maior parcela vota por esse caminho, jogo jogado. Os problemas dessa história não são bem de ideologia, porém.

Ao acenar com a iniciativa privada, os candidatos se desincumbe­m de mostrar contas. Tudo passa a “caber” no Orçamento. A fatura exportada para alguém (adivinhe quem) não precisa aparecer na campanha.

Outro problema reside no, digamos, pós-venda. Em duas décadas fiscalizan­do concessões, o governo central caminhou aos trancos e barrancos. Essa cultura é ainda mais fraca nos municípios. Não há motivo para o eleitor dormir sossegado. roberto.dias@grupofolha.com.br

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