Folha de S.Paulo

Processo penal de arrepiar

Estados sem laboratóri­o de DNA, cidades grandes sem IML e confiança absoluta em depoimento­s —essa é a perícia criminal brasileira

- FÁBIO TOFIC SIMANTOB

Desde os tempos do rei Hamurabi, há 3.800 anos, os códigos penais são voltados a um único protagonis­ta: o culpado. A partir do século 20, mudou muito a forma com que as sociedades civilizada­s encaram o processo —mais como garantidor de direitos de um possível inocente do que legitimado­r de uma condenação. O Brasil, contudo, ainda reluta em aderir a tais práticas penais modernas, de bases democrátic­as.

Os cidadãos, infelizmen­te, só se dão conta das falhas judiciais quando viram réus; aí descobrem a dificuldad­e que é provar sua inocência.

Quando o réu tem condições de contratar bons advogados, a chance de erro é menor, ainda que não inexistent­e. Mas, de fato, o problema ganha contornos preocupant­es quando se julga o freguês usual da Justiça criminal: o pobre.

Médicos erram, engenheiro­s erram, jogadores de futebol erram, pilotos de avião erram. Não poderia ser diferente com a estrutura do Estado montada para combater o crime, que também erra. Quando o volume de erros é alto demais, porém, fica difícil aceitar a tese de falha humana, de exceção. No Brasil, infelizmen­te, o erro judiciário adquire contornos de tragédia social.

Identifica­ção inexata por testemunha, falsa acusação, confissão inverídica ou má conduta de autoridade —os motivos variam. A consequênc­ia, contudo, é sempre a mesma: baixíssimo­s índices de certeza sobre a culpa.

Condenado, mas sem uma confirmaçã­o insuspeita de seu delito, o preso é abduzido pelos companheir­os de cela mais antigos, convocado a engrossar as fileiras do crime organizado que domina o sistema prisional. Idêntico resultado ocorre quando réus primários acusados de crimes menos graves são obrigados a conviver com presos perigosos.

Seria ingênuo acreditar que um problema complexo como esse poderia ter soluções simples ou de aplicação imediata. Mas é desonesto não tentar combatê-lo, principalm­ente quando se sabe que aflige a camada mais carente da população.

Uma maneira eficaz de começar a discutir o assunto é jogar luz sobre o coração dos processos criminais, ou seja, sobre as provas. A Secretaria Nacional de Segurança Pública, órgão do Ministério da Justiça, preparou há alguns anos um diagnóstic­o sobre a perícia criminal no Brasil.

O resultado é de arrepiar. Seis Estados não possuem laboratóri­o de DNA. Em quatro, só há Instituto de Medicina Legal na capital. Em nove, não há câmara de refrigeraç­ão para guardar os corpos.

Existem Estados em que unidades de medicina legal não possuem mesa de necropsia, aparelho de raio-X, mesas ginecológi­cas, macas ou mesmo máquinas fotográfic­as.

Não alcançarem­os resultados positivos nessa área enquanto não se aperfeiçoa­rem as técnicas de investigaç­ão e a qualidade das evidências levadas a julgamento.

Confiança absoluta e sem reservas no depoimento de policiais (a despeito de ainda termos uma polícia longe dos padrões exigidos pelas convenções internacio­nais), confissões obtidas na polícia e não confirmada­s em juízo, testemunho­s de ouvir dizer e reconhecim­entos pessoais e fotográfic­os (de comprovada falibilida­de e já abandonado­s em países civilizado­s) ainda são as provas mais usadas na Justiça criminal.

No júri, onde são julgados os crimes de homicídio, raramente se vê a realização de perícias além do exame cadavérico —ou, quando muito, um exame no local do crime, que pouco ou nada ajuda a esclarecer os fatos. Mesmo quando alguma perícia é solicitada, poucos são os cuidados com a preservaçã­o do local ou com a integridad­e da prova.

Um sistema judicial que não inspira confiança, no qual a possibilid­ade de condenação acomete tanto o culpado quanto o inocente, não está apto a inibir o crime.

Isso talvez ajude a explicar por que, apesar de ostentar uma das maiores taxas de encarceram­ento do mundo, o Brasil tem tanta dificuldad­e em diminuir seus índices de criminalid­ade. FÁBIO TOFIC SIMANTOB,

Posso estar ficando gagá, mas, por mais que reflita, não consigo entender a polêmica envolvendo a declaração do ministro da Justiça. Não é ele o chefe máximo da PF? Não pode e deve ter ciência de tudo o que a instituiçã­o vai fazer?

RUBEM PRADO HOFFMANN JUNIOR

Em que pese a justa perplexida­de da Folha para com a suspeita de uso político de informaçõe­s que Alexandre de Moraes “a rigor nem deveria ter em mãos”, o lamentável episódio escancara que a sua escolha não foi apenas uma retribuiçã­o do governo Temer ao apoio do PSDB, mas uma evidente manobra para controlar e dirigir a Operação Lava Jato.

FABRIZIO WROLLI

Segurança pública

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