O Estatuto da Cidade e as eleições
Seria natural que o Estatuto da Cidade fosse um tema frequente nos debates das eleições. Ledo engano. É um ilustre desconhecido
Em 2016, o Estatuto da Cidade (lei nº 10.257/2001) completou 15 anos de vigência, mas tem poucos motivos para comemorar. Concebido para enfrentar o duplo e simultâneo desafio de lidar com o acumulado histórico de irregularidade (olhar para trás) e viabilizar o planejamento das cidades brasileiras (olhar para frente), ainda não saiu totalmente do papel.
Predomina a desinformação. O conteúdo não foi assimilado pelo Poder Público, para quem a ideia de planejar ainda é nova, e tampouco pela sociedade civil. Com isso, seus dispositivos ficam restritos aos sofisticados, e por vezes inócuos, debates acadêmicos.
O Estatuto da Cidade regulamentou os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, no capítulo dedicado à política urbana. Trouxe, com isso, uma série de instrumentos indispensáveis à ordenação do território. Tudo sob a égide de uma diretriz estruturante, que é a gestão democrática das cidades.
Inequívoco o alcance de tais instrumentos. Natural, nesse sentido, que o Estatuto da Cidade fosse tema frequente nos debates das eleições para prefeito e vereador em 2016. Ledo engano. Trata-se de um ilustre desconhecido. E esse diagnóstico é um eloquente sinal do quão distante está o debate político (e público) de soluções disponíveis na lei desde 2001.
Quais candidatos, por exemplo, propõem medidas para viabilizar os Planos Diretores das cidades? Obrigatório nos municípios com mais de 20 mil habitantes, o plano diretor é a lei que define o instrumento básico da política urbana. É ele que informa o conteúdo da função social da propriedade urbana e desenha como e para onde a cidade deve crescer.
Teríamos um enorme avanço se os candidatos se comprometessem a cumprir as metas do Plano Diretor. Afinal, ele representa uma política de Estado, mais importante que programas de governo, que mudam a cada quatro anos.
O que os candidatos pensam a respeito da contribuição de melhoria? Tributo baseado na valorização imobiliária resultado de obras públicas, é um mecanismo poderoso de arrecadação e financiamento de políticas públicas. As grandes cidades do mundo estão discutindo medidas semelhantes. Avançam, inclusive, na produção de indicadores mais precisos para apurar a valorização. Por aqui, nada.
E sobre a regularização fundiária, que se aplica às áreas ocupadas por população vulnerável? Alguma linha no discurso? Para além de definir normas especiais de uso e ocupação do solo, é preciso cuidar da sua urbanização, para garantia do direito à moradia e mitigação de riscos e danos ambientais.
E as operações urbanas consorciadas? Eis um ótimo exemplo de instrumento da cidade que pode dar certo: o poder público identifica área que necessita de transformações urbanísticas estruturais e melhorias sociais. Pactua as regras do jogo com o mercado privado e com a sociedade civil e monitora a sua execução.
Precisamos introduzir no debate a relevância do estatuto. A cidade é um espaço cheio de contradições. Estado, mercado e sociedade civil, agentes da transformação do território, podem encontrar aí uma arena para construir os consensos possíveis. Afinal, não há incompatibilidade absoluta entre interesse público, lucro e qualidade de vida.
À política cabe, ou caberia, deflagrar esse debate. A sociedade merece saber o que seus candidatos pensam sobre ele e deve, também, ser convidada a integrar essa discussão e a refletir a seu respeito. WILSON LEVY, MARINA ROMUCHGE,
Parabéns à Folha pela reportagem “Congresso tem mais de 1.200 servidores na comunicação” (“Poder”, 25/9). É cediço que esse gasto exacerbado ocorre nas três esferas do Legislativo. As razões, acredito, são duas: o excesso de repasse do Orçamento ao Legislativo e a cultura de que o recurso destinado deve ser “queimado”, gasto. Não há razão para um repasse tão expressivo.
RÔMULO GOBBI
LEIA MAIS CARTAS NO SITE DA FOLHA -