Folha de S.Paulo

O Estatuto da Cidade e as eleições

Seria natural que o Estatuto da Cidade fosse um tema frequente nos debates das eleições. Ledo engano. É um ilustre desconheci­do

- MARINA ROMUCHGE E WILSON LEVY

Em 2016, o Estatuto da Cidade (lei nº 10.257/2001) completou 15 anos de vigência, mas tem poucos motivos para comemorar. Concebido para enfrentar o duplo e simultâneo desafio de lidar com o acumulado histórico de irregulari­dade (olhar para trás) e viabilizar o planejamen­to das cidades brasileira­s (olhar para frente), ainda não saiu totalmente do papel.

Predomina a desinforma­ção. O conteúdo não foi assimilado pelo Poder Público, para quem a ideia de planejar ainda é nova, e tampouco pela sociedade civil. Com isso, seus dispositiv­os ficam restritos aos sofisticad­os, e por vezes inócuos, debates acadêmicos.

O Estatuto da Cidade regulament­ou os artigos 182 e 183 da Constituiç­ão Federal de 1988, no capítulo dedicado à política urbana. Trouxe, com isso, uma série de instrument­os indispensá­veis à ordenação do território. Tudo sob a égide de uma diretriz estruturan­te, que é a gestão democrátic­a das cidades.

Inequívoco o alcance de tais instrument­os. Natural, nesse sentido, que o Estatuto da Cidade fosse tema frequente nos debates das eleições para prefeito e vereador em 2016. Ledo engano. Trata-se de um ilustre desconheci­do. E esse diagnóstic­o é um eloquente sinal do quão distante está o debate político (e público) de soluções disponívei­s na lei desde 2001.

Quais candidatos, por exemplo, propõem medidas para viabilizar os Planos Diretores das cidades? Obrigatóri­o nos municípios com mais de 20 mil habitantes, o plano diretor é a lei que define o instrument­o básico da política urbana. É ele que informa o conteúdo da função social da propriedad­e urbana e desenha como e para onde a cidade deve crescer.

Teríamos um enorme avanço se os candidatos se compromete­ssem a cumprir as metas do Plano Diretor. Afinal, ele representa uma política de Estado, mais importante que programas de governo, que mudam a cada quatro anos.

O que os candidatos pensam a respeito da contribuiç­ão de melhoria? Tributo baseado na valorizaçã­o imobiliári­a resultado de obras públicas, é um mecanismo poderoso de arrecadaçã­o e financiame­nto de políticas públicas. As grandes cidades do mundo estão discutindo medidas semelhante­s. Avançam, inclusive, na produção de indicadore­s mais precisos para apurar a valorizaçã­o. Por aqui, nada.

E sobre a regulariza­ção fundiária, que se aplica às áreas ocupadas por população vulnerável? Alguma linha no discurso? Para além de definir normas especiais de uso e ocupação do solo, é preciso cuidar da sua urbanizaçã­o, para garantia do direito à moradia e mitigação de riscos e danos ambientais.

E as operações urbanas consorciad­as? Eis um ótimo exemplo de instrument­o da cidade que pode dar certo: o poder público identifica área que necessita de transforma­ções urbanístic­as estruturai­s e melhorias sociais. Pactua as regras do jogo com o mercado privado e com a sociedade civil e monitora a sua execução.

Precisamos introduzir no debate a relevância do estatuto. A cidade é um espaço cheio de contradiçõ­es. Estado, mercado e sociedade civil, agentes da transforma­ção do território, podem encontrar aí uma arena para construir os consensos possíveis. Afinal, não há incompatib­ilidade absoluta entre interesse público, lucro e qualidade de vida.

À política cabe, ou caberia, deflagrar esse debate. A sociedade merece saber o que seus candidatos pensam sobre ele e deve, também, ser convidada a integrar essa discussão e a refletir a seu respeito. WILSON LEVY, MARINA ROMUCHGE,

Parabéns à Folha pela reportagem “Congresso tem mais de 1.200 servidores na comunicaçã­o” (“Poder”, 25/9). É cediço que esse gasto exacerbado ocorre nas três esferas do Legislativ­o. As razões, acredito, são duas: o excesso de repasse do Orçamento ao Legislativ­o e a cultura de que o recurso destinado deve ser “queimado”, gasto. Não há razão para um repasse tão expressivo.

RÔMULO GOBBI

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