Folha de S.Paulo

32,3% dos argentinos estão abaixo da linha da pobreza

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DE BUENOS AIRES

Um em cada três argentinos está abaixo da linha da pobreza, de acordo com o primeiro levantamen­to sobre o assunto realizado no país desde o fim de 2013.

Nos últimos anos de Cristina Kirchner no poder, o governo decidiu não ter estatístic­as de pobreza por considerar que elas estigmatiz­avam parte da população.

O presidente Mauricio Macri, porém, retomou as pesquisas, e a primeira delas mostrou que 32,2% dos argentinos estavam abaixo da linha da pobreza (ou 8,8 milhões de pessoas que vivem em zonas urbanas) no fim de junho. Famílias formadas por quatro integrante­s e com renda inferior a 12.851 pesos (R$ 2.700) são classifica­das nessa situação.

Dessa parcela da população, 1,7 milhão (6,3% do to- tal) se encontra em situação ainda pior, abaixo da linha da miséria. Suas famílias têm uma renda de menos de 4.930 pesos por mês (R$ 1.000 ou R$ 250 por pessoa).

As estatístic­as, levantadas pelo Indec (equivalent­e ao IBGE), vão na linha das da Universida­de Católica Argentina, cujas pesquisas foram utilizadas nos últimos anos frente à falta de dados oficiais.

Em abril, a universida­de indicou que 32,6% dos argentinos se encontrava­m em situação de pobreza —uma alta de 3,6 pontos percentuai­s desde dezembro, mês em que Macri chegou à Casa Rosada.

O comerciant­e Jose Luis Mendez, 46, é um dos que entraram para essa classe neste ano. Dono de uma lanchonete na cidade de La Plata, costumava vender cerca de 30 mil pesos (R$ 6.300) em alimentos até 2015. Hoje, não consegue chegar à metade. Mendez, que vive com a mulher e três filhas, está com as contas atrasadas por causa da redução do movimento.

“Ninguém compra mais nada. As pessoas agora vivem me pedindo comida.”

O presidente, no entanto, não considerar­á que Mendez caiu para baixo da linha da pobreza neste ano. Macri afirmou que só aceitará comparaçõe­s feitas com base no dado do Indec divulgado nesta quarta (28). “Esse é o ponto de partida com o qual aceito e quero ser avaliado”, frisou.

Macri admitiu que não será possível cumprir com uma de suas três principais promessas de campanha, a de acabar com a pobreza —as outras são a redução do narcotráfi­co e a união do país.

“É óbvio que não se consegue ter pobreza zero em quatro anos. Fixamos um cami- nho. Geramos a redução da inflação e fechamos um acordo com os holdouts [credores que não haviam aceitado a renegociaç­ão da dívida]. Isso criará condições para que surjam novos empregos.”

O último dado de pobreza divulgado sob o kirchneris­mo, em 2013, apontava que apenas 4,7% da população estava abaixo da linha.

Em junho do ano passado, apesar de não ter estatístic­as novas, o então chefe de gabinete de Cristina Kirchner, Aníbal Fernández, afirmou que a taxa de pobreza na Argentina era inferior à da Alemanha.

Macri lembrou da declaração de Fernández. “Depois de anos de manipulaçã­o da informação, hoje os argentinos sabem qual é a realidade. Não há mais mentiras, como quando disseram, há meses, que a Argentina tinha menos pobres que a Alemanha.” (LD)

“O Mercosul seguiria adiante de uma forma mais fácil sem a Venezuela de hoje do que com ela”, disse o presidente argentino, Mauricio Macri, nesta quarta-feira (28) a jornais brasileiro­s, entre eles a Folha.

Para o dirigente, o país de Nicolás Maduro não “acrescento­u nada” ao bloco e, se não se adequar às regras até dezembro, deve ser eliminado.

“O país não cumpriu os requisitos que tinha que cumprir para ser um membro ativo. Se, em 1º de dezembro, não os tiver cumprido, deixará de pertencer ao Mercosul”, frisou na entrevista, da qual também participar­am “O Estado de S. Paulo” e “O Globo”.

Os membros do bloco criticam a Venezuela por não respeitar direitos humanos, mantendo presos políticos, e dão como justificat­iva para que Maduro não assuma a Presidênci­a do grupo o fato deopaísnão­terseadequ­ado ao marco regulatóri­o.

Assim como defendeu o presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, nesta semana, o argentino também afirmou que se deve aplicar a maior pressão possível sobre Maduro para que se realize ainda neste ano o referendo revogatóri­o que poderá abreviar o mandato presidenci­al.

“Devemos aos venezuelan­os uma defesa irrestrita de seus direitos, que hoje são violados por um governo que atropelou as instituiçõ­es democrátic­as. (...) Sinto que o governo de Maduro radicaliza suas posições em vez de gerar uma abertura ao diálogo.”

Macri e Maduro, que trocam críticas com frequência, estiveram pela primeira vez num mesmo evento na última segunda (26), em Cartagena, onde o governo colombiano e as Farc assinaram o acordo de paz. Segundo Macri, eles não chegaram a se ver. GOVERNO TEMER O presidente argentino afirmou que, apesar das mudanças adotadas pelo presidente Michel Temer na condução da política, o governo brasileiro é de continuida­de “independen­temente de quem tenha sido convocado para o gabinete”, pois foi o vice de Dilma Rousseff quem assumiu.

Prestes a receber Temer — que fará ao país vizinho no próximo dia 3 sua primeira visita bilateral—, Macri diz que pode trabalhar com o Brasil seja qual for o dirigente.

Ele lembrou que sua primeira viagem internacio­nal após ser eleito, em novembro do ano passado, foi ao Brasil, mesmo após o governo petista ter apoiado seu opositor, o peronista Daniel Scioli.

Dilma recebeu Scioli em Brasília antes do pleito e disse que só não se encontrou com Macri por não ter recebido um pedido de audiência.

“Brasil e Argentina estão acima da política conjuntura­l. Posso trabalhar com quem o Brasil escolher para governar. De resto, não cabe a mim participar. Mas, se me perguntare­m qual figura me desperta mais respeito na política brasileira nos últimos 20 anos, claramente é Fernando Henrique Cardoso.”

O ex-presidente brasileiro esteve em Buenos Aires na semana passada, quando visitou Macri. Sobre o encontro, o argentino disse que apenas ouviu seu colega. “Estar com ele é aproveitar para escutar.”

Macri voltou a defender que o impeachmen­t de Dilma Rousseff respeitou os passos constituci­onais. “Não estou de acordo [com a tese de que houve um golpe no Brasil], mas não sei se considerar [essa hipótese] é algo absurdo.”

Enquanto alguns países da região não reconhecer­am Temer como presidente (como a Venezuela) ou o fizeram com algumas críticas (como o Uruguai), a Argentina foi o primeiro a afirmar que o novo governo era legítimo.

Questionad­o sobre os possíveis protestos com os quais Temer deverá ser recepciona­do no país, o presidente disse que todos têm direito a se expressar na Argentina. A visita de Temer deverá focar na revitaliza­ção do Mercosul. CRISE Em relação à crise econômica argentina (a queda do PIB foi de 1,7% no primeiro semestre), Macri destacou que parte se deve à situação brasileira. “Se o Brasil deixar de cair, nos ajudará, porque é o principal comprador da Argentina. Uma parte importante da recessão que tivemos se explica pela crise brasileira.”

Macri disse, mais uma vez, que a desacelera­ção argentina também decorre da situação que sua antecessor­a, Cristina Kirchner (2007-2015), deixou o país.

Para ele, a Argentina está bem quando se considera essa herança. “Não é fácil começar um governo depois de uma década de inflação altíssima, deficit fiscal forte, perda de reservas e de competitiv­idade.”

A opção de política econômica de Macri foi estabiliza­r a economia —com unificação e desavalori­zação do peso, pagamento dos fundos abutres e retirada de subsídios a serviços básicos, como luz e gás— para que as empresas realizasse­m investimen­tos que estimulass­em o cresciment­o.

Até agora, porém, houve uma redução de 3,3% e 4,9% nos investimen­tos em máquinas e equipament­os no primeiro e no segundo trimestre deste ano, segundo o Indec (equivalent­e ao IBGE).

Macri disse desconhece­r esses números e que as informaçõe­s que tem são que, desde que assumiu, empresas se compromete­ram a injetar US$ 40 bilhões no país. “Isso mais que duplica a média dos últimos anos.”

“não cumpriu os requisitos para ser um membro ativo do Mercosul. Se, em 1º de dezembro, não os tiver cumprido, deixará de pertencer ao Mercosul Brasil e Argentina estão acima da política conjuntura­l. Posso trabalhar com quem o Brasil escolher. Mas, se me perguntare­m qual figura me desperta mais respeito na política brasileira, é Fernando Henrique Cardoso

MAURICIO MACRI

presidente da Argentina

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