Folha de S.Paulo

Sem critérios, desigualda­de em saúde tende a aumentar

Países desenvolvi­dos possuem regras claras para definir o que é ‘justo’

- CLÁUDIA COLLUCCI

O julgamento no STF sobre o direito a remédios não disponívei­s no SUS (Sistema Único de Saúde) é só o início de uma discussão muito maior que o Brasil tem evitado fazer: diante da limitação orçamentár­ia, o que é possível oferecer em saúde?

Ainda que a saúde seja um direito constituci­onal do cidadão e um dever do Estado, não há como impor ao SUS a responsabi­lidade pela oferta ilimitada de terapias.

Uma lei federal de 2011 tentou disciplina­r isso (condiciona­ndo a oferta de novas drogas no SUS à aprovação de uma comissão do Ministério da Saúde), mas o Judiciário a ignora em suas decisões— que, na maioria dos casos, são favoráveis aos pacientes.

Os gastos da União com a judicializ­ação da saúde cresceram 797% em cinco anos (de R$ 122,6 milhões, em 2010, para R$ 1,1 bilhão em em 2015). Se somados os custos de Estados e municípios, a soma chega a R$ 7 bilhões.

Estudos apontam que, além de desestabil­izar as políticas de saúde, isso aumenta a iniquidade, porque quem recorre à Justiça, em geral, são pessoas mais favorecida­s.

Países desenvolvi­dos com sistemas públicos de saúde, como Inglaterra, Alemanha e Canadá, possuem regras mais claras para definir o que é “justo” em saúde. Há critérios que avaliam o impacto real de cada novo produto sobre a saúde do paciente em relação ao que já existe.

Essa é tida como a melhor forma para evitar que os interesses comerciais prevaleçam sobre os interesses públicos e do paciente.

Nesses países praticamen­te não existe judicializ­ação. Medicament­os não aprovados pelos órgãos reguladore­s, por exemplo, não são fornecidos —só se fizerem parte de protocolos de pesquisa.

Já o acesso às drogas para doenças raras é um problema no mundo todo. Segundo Octávio Luiz Motta Ferraz, professor de direito na Universida­de de Warwick (Reino Unido), mesmo com incentivos econômicos para que as farmacêuti­cas desenvolva­m drogas nessa área, elas são caras e superam o limite máximo estabeleci­do pelas agências que avaliam a incorporaç­ão de novas tecnologia­s.

Na Inglaterra, o limite fica entre 20 e 30 mil libras (R$ 84.110 e R$ 126.165) por QALY (Quality Adjusted Life Years), que significa quantos anos de vida saudável a tecnologia pode propiciar.

Mas como o preço dos remédios sempre supera esse limite, o governo tem um programa especial e um orçamento separado para eles.

Isso tudo ocorre longe dos tribunais. Quando raramente o caso vai parar na Justiça, o paciente tende a perder, porque o juiz não se sente legitimado para interferir na decisão da autoridade de saúde.

O caso mais famoso, na Inglaterra, —Child B— envolveu uma doença rara com tratamento experiment­al caro. O sistema de saúde inglês se negou a oferecê-lo, e os juízes respeitara­m a decisão.

São decisões sempre difíceis e que precisam estar amparadas por critérios claros, objetivos e consensuai­s, consideran­do que é dever do Estado alocar os recursos da saúde de forma equitativa. Quais casos motivaram a sessão? Em um deles, paciente conseguiu que o RN custeasse remédio de alto custo e fora do SUS, mas Estado recorreu. No outro, paciente pediu a MG remédio sem registro da Anvisa e perdeu, então recorreu

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Pedro Ladeira/Folhapress Pacientes com doenças raras e parentes fazem protesto em Brasília nesta quarta (28)

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