Não foi legítima defesa, diz sobrevivente do Carandiru
Para ex-preso, decisão da Justiça reforça tese de ‘bandido bom é bandido morto’
A Promotoria pediu a absolvição de dois deles durante o julgamento, porque havia evidências de que eles não tinham participação. No caso do terceiro, houve erro na denúncia.
O que a acusação diz?
A Promotoria afirma que todos os policiais que participaram da invasão e atiraram têm responsabilidade pelo resultado final, porque assumiram o risco ao entrarem no Carandiru armados. Ou seja, mesmo quem não tiver baleado contribuiu com as mortes.
Os policiais condenados estão presos?
Não. Como a defesa recorreu, ninguém foi preso. O exPM Cirineu Carlos Letang Silva, que foi julgado separadamente, já cumpria pena por outro crime.
O que acontecerá agora?
Uma nova sessão será convocada, com mais dois desembargadores, para votarem pela anulação e um novo julgamento ou pela absolvição. Não há nenhuma data prevista. A Promotoria anunciou também que vai recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O TJ poderia ter anulado os julgamentos?
Segundo especialistas, sim, se a decisão da primeira instância tiver sido contrária às provas dos autos ou em caso de uma falha processual, por exemplo. Alguns, no entanto, criticam a perícia realizada na época e o fato de o tribunal ter “abrandado” o tratamento aos policiais, já que não são raras condenações em processos falhos.
E a corte pode absolver os condenados?
A maioria dos especialistas defende que não, porque já houve uma condenação pelo júri popular e ela é soberana. Para Miguel Pachá, ex-presidente do TJ do Rio, o tribunal só poderia inocentar se o crime prescrevesse.
Tribunal de Justiça de SP decidiu na terça (27) anular as condenações de 74 PM envolvidos no massacre de 1992
Ao ouvir as palavras “legítima defesa”, o pastor evangélico Sidney Francisco Sales deu um sobressalto do outro lado da linha.
“Como assim? Aquilo foi um extermínio, como em Auschwitz [o campo de concentração nazista onde judeus foram exterminados] ou no Camboja [nos anos 1970, quando houve massacres de centenas de pessoas em um mesmo dia]”, diz um dos sobreviventes do episódio que ficou conhecido como massacre do Carandiru.
Na terça (27), o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu anular a condenação de 74 policiais envolvidos no ataque.
Em 1992, invasão da polícia para coibir uma rebelião deixou 111 presos mortos e corredores e escadas do presídio inundados de sangue.
“Todos foram executados, não havia ninguém armado. Todos acabaram condenados novamente, porque estavam ali cumprindo suas penas e acabaram mortos”, diz Sales.
No momento da invasão da polícia, ele estava no quarto andar do pavilhão 9. Ele fazia parte da equipe da faxina e da distribuição de comida.
Sobre a decisão do TJ, Sales foi avisado nesta quarta (28) cedo, pela própria reportagem. “Não estava sabendo não. Mas ela ajuda a reforçar a tese de que bandido bom é bandido morto”, diz o pastor.
Hoje, entre palestras sobre sua vida, Sales coordena algumas unidades de recuperação de viciados em drogas. “Temos 200 pessoas em Vargem Grande Paulista, Campo Limpo e Jundiaí. E outros 50 já com carteira assinada”, diz.
O pastor, que entrou no Carandiru após ser condenado por roubo de cargas aos 19 anos, em 1989, ficou paraplégico depois de ser baleado por um desafeto quando saiu da Casa de Detenção.
Chegou a ser preso outra vez, viciou-se em drogas e, então, nos anos 1990, depois de ser novamente solto, passou cinco anos numa clínica de reabilitação.
No dia do massacre, ele teve que ajudar a carregar os corpos dos mortos e quase foi executado por PMs antes de eles saírem do pavilhão.
Sales não condena exatamente os próprios policiais, que estavam ali cumprindo ordens, segundo ele.
Mas sim o coronel Ubiratan Guimarães e o diretor do presídio na época, Ismael Pedrosa. “Eles nunca foram condenados pela justiça dos homens. Foram eles os responsáveis pelas mortes. Mas acabaram condenados pela justiça divina”, diz Sales. Os dois morreram assassinados.
“Faltou habilidade para contornar a rebelião”, diz.