Folha de S.Paulo

Não foi legítima defesa, diz sobreviven­te do Carandiru

Para ex-preso, decisão da Justiça reforça tese de ‘bandido bom é bandido morto’

- EDUARDO GERAQUE

A Promotoria pediu a absolvição de dois deles durante o julgamento, porque havia evidências de que eles não tinham participaç­ão. No caso do terceiro, houve erro na denúncia.

O que a acusação diz?

A Promotoria afirma que todos os policiais que participar­am da invasão e atiraram têm responsabi­lidade pelo resultado final, porque assumiram o risco ao entrarem no Carandiru armados. Ou seja, mesmo quem não tiver baleado contribuiu com as mortes.

Os policiais condenados estão presos?

Não. Como a defesa recorreu, ninguém foi preso. O exPM Cirineu Carlos Letang Silva, que foi julgado separadame­nte, já cumpria pena por outro crime.

O que acontecerá agora?

Uma nova sessão será convocada, com mais dois desembarga­dores, para votarem pela anulação e um novo julgamento ou pela absolvição. Não há nenhuma data prevista. A Promotoria anunciou também que vai recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).

O TJ poderia ter anulado os julgamento­s?

Segundo especialis­tas, sim, se a decisão da primeira instância tiver sido contrária às provas dos autos ou em caso de uma falha processual, por exemplo. Alguns, no entanto, criticam a perícia realizada na época e o fato de o tribunal ter “abrandado” o tratamento aos policiais, já que não são raras condenaçõe­s em processos falhos.

E a corte pode absolver os condenados?

A maioria dos especialis­tas defende que não, porque já houve uma condenação pelo júri popular e ela é soberana. Para Miguel Pachá, ex-presidente do TJ do Rio, o tribunal só poderia inocentar se o crime prescreves­se.

Tribunal de Justiça de SP decidiu na terça (27) anular as condenaçõe­s de 74 PM envolvidos no massacre de 1992

Ao ouvir as palavras “legítima defesa”, o pastor evangélico Sidney Francisco Sales deu um sobressalt­o do outro lado da linha.

“Como assim? Aquilo foi um extermínio, como em Auschwitz [o campo de concentraç­ão nazista onde judeus foram exterminad­os] ou no Camboja [nos anos 1970, quando houve massacres de centenas de pessoas em um mesmo dia]”, diz um dos sobreviven­tes do episódio que ficou conhecido como massacre do Carandiru.

Na terça (27), o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu anular a condenação de 74 policiais envolvidos no ataque.

Em 1992, invasão da polícia para coibir uma rebelião deixou 111 presos mortos e corredores e escadas do presídio inundados de sangue.

“Todos foram executados, não havia ninguém armado. Todos acabaram condenados novamente, porque estavam ali cumprindo suas penas e acabaram mortos”, diz Sales.

No momento da invasão da polícia, ele estava no quarto andar do pavilhão 9. Ele fazia parte da equipe da faxina e da distribuiç­ão de comida.

Sobre a decisão do TJ, Sales foi avisado nesta quarta (28) cedo, pela própria reportagem. “Não estava sabendo não. Mas ela ajuda a reforçar a tese de que bandido bom é bandido morto”, diz o pastor.

Hoje, entre palestras sobre sua vida, Sales coordena algumas unidades de recuperaçã­o de viciados em drogas. “Temos 200 pessoas em Vargem Grande Paulista, Campo Limpo e Jundiaí. E outros 50 já com carteira assinada”, diz.

O pastor, que entrou no Carandiru após ser condenado por roubo de cargas aos 19 anos, em 1989, ficou paraplégic­o depois de ser baleado por um desafeto quando saiu da Casa de Detenção.

Chegou a ser preso outra vez, viciou-se em drogas e, então, nos anos 1990, depois de ser novamente solto, passou cinco anos numa clínica de reabilitaç­ão.

No dia do massacre, ele teve que ajudar a carregar os corpos dos mortos e quase foi executado por PMs antes de eles saírem do pavilhão.

Sales não condena exatamente os próprios policiais, que estavam ali cumprindo ordens, segundo ele.

Mas sim o coronel Ubiratan Guimarães e o diretor do presídio na época, Ismael Pedrosa. “Eles nunca foram condenados pela justiça dos homens. Foram eles os responsáve­is pelas mortes. Mas acabaram condenados pela justiça divina”, diz Sales. Os dois morreram assassinad­os.

“Faltou habilidade para contornar a rebelião”, diz.

 ?? Joel Silva - 2.abr.2013/Folhapress ?? Sidney Sales, sobreviven­te do massacre do Carandiru
Joel Silva - 2.abr.2013/Folhapress Sidney Sales, sobreviven­te do massacre do Carandiru

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil