Folha de S.Paulo

Individual­ização dos crimes volta a dominar debate

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DE SÃO PAULO

A decisão do Tribunal de Justiça de anular os julgamento­s que condenaram 74 PMs pelo massacre do Carandiru reabriu a discussão sobre a possibilid­ade de individual­izar os crimes cometidos por cada um dos policiais que participar­am da ação que terminou com 111 mortos.

Os desembarga­dores Camilo Léllis e Edison Brandão centraram suas decisões a favor da anulação dos julgamento­s sob a justificat­iva de falta de provas das condutas de cada um dos policiais acusados.

“O juiz é a última esperança de um acusado e não se pode condenar por baciada”, afirmou Léllis. “Houve uma situação de confronto e acredito que acontecera­m excessos, mas é preciso verificar quem se excedeu, quem atirou em quem. A perícia foi inconclusi­va e duvidosa.”

Brandão cita como exemplo um réu que possa ter atirado uma vez, mas condenado por 70 mortes. “Como magistrado não posso aceitar uma condenação dessas.”

A impossibil­idade de individual­izar a participaç­ão de cada PM (algum pode ter baleado só um preso e sido condenado por várias mortes? algum pode ter atirado, mas não acertado ninguém?) também foi debatida no júri.

Mas a acusação argumenta —tese aceita pelos jurados— que todos os policiais que participar­am da invasão e atiraram têm responsabi­lidade pelo resultado final. Ou seja, mesmo quem não tiver baleado contribuiu com as mortes, dando apoio ao grupo.

A procurador­a Sandra Jardim, que cuidou da ação no Ministério Público, exemplific­a: “Se três pessoas saem para praticar um roubo e um atira e mata a vítima, esse Tribunal de Justiça sempre entendeu, pela teoria do domínio do fato, que os dois que não atiraram também respondiam pelo latrocínio. Quem sai para tomar parte de um roubo a mão armada antevê a possibilid­ade de criar uma morte”.

O desembarga­dor Ivan Sartori defendeu a absolvição de todos os policiais, e não só a anulação dos julgamento­s.

A possibilid­ade, porém, é rejeitada por especialis­tas em direito sob a justificat­iva de que a decisão do júri é soberana. Eles dizem que ela pode ser anulada caso os desembarga­dores considerem as provas do processo contraditó­rias com a sentença. Mas não pode ter seu teor alterado.

O trio de julgadores no TJ também sustentou como necessária a ação dos PMs porque teriam agido no cumpriment­o do dever. Sartori enfatizou haver “legítima defesa” dos policiais —e que isso não foi considerad­o pelo júri.

O Ministério Público vai recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e não há prazo para decidir sobre um novo julgamento. (EDUARDO GERAQUE E ROGÉRIO PAGNAN)

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