Folha de S.Paulo

De alguém vivo e saudável.

- Roseli Machado, que passou por transplant­e multivisce­ral

“Toda hora que tocava o telefone, eu achava que era a minha vez”, lembra Roseli Machado, 41, de Cordeirópo­lis (SP). A perda de apetite, os enjoos frequentes e o cresciment­o da barriga deram o alerta de que algo não ia bem com a sua saúde.

Em pouco tempo, ela descobriu ter ascite (ou barriga d´água), que é o acúmulo de líquido no abdome. Por meio de uma amiga, conseguiu uma consulta no hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Não havia dúvida: era necessário um transplant­e multivisce­ral —“troca” de vários órgãos do paciente com o de uma pessoa falecida. O “pacote” a ser recebido por Roseli deveria incluir fígado, intestino, estômago e pâncreas.

Era preciso esperar. “Os médicos me deixaram ir para casa, mas me fizeram prometer que, quando ligassem, eu iria para o hospital”, lembra com bom humor.

Dos seis procedimen­tos até então realizados no Brasil, ninguém sobreviveu. “Depois do choque inicial, decidi, sim, fazer. E falei que seria a primeira a permanecer viva”.

Em julho, o telefone finalmente tocou: “Seu doador chegou; venha já”, pediu o hospital. “Fui para a cirurgia tranquila e feliz. Não tive medo e em nenhum momento achei que fosse morrer”, lem-

ROSELI MACHADO

paciente de transplant­e multivisce­ral bra Roseli, que teve alta depois de 80 dias internada.

“Sei a dor que é a perda de um ente querido, mas a família teve uma atitude linda, maravilhos­a para a vida de alguém que estava esperando”.

De acordo com Ministério da Saúde, não há registro oficial para as pessoas se declararem doadores de órgãos no Brasil —a única alternativ­a é a autorizaçã­o da família.

“Vou cuidar bem de tudo que concederam. E, quando morrer, se puder aproveitar meus órgãos, pode doar tudo”, diz Roseli.

Diferentem­ente de Roseli, em alguns casos, o órgão vem

“precisei passar por isso[transplant­e] para conscienti­zar outras pessoas. Sei a dor que é a perda de um ente querido, mas a família teve uma atitude linda, que foi maravilhos­a para a vida de alguém que estava esperando

ENTRE VIVOS É o caso de Sophia, de 10 meses, que, mesmo com o pouco tempo de vida, já precisava de um novo fígado. Como o pai era muito velho para doar e a mãe tinha tipo sanguíneo incompatív­el, a saída foi recorrer à fila de doação, ordenada pela gravidade dos pacientes.

Sophia conseguiu o órgão de uma criança que havia morrido, mas, no dia D, alterações nos exames inviabiliz­aram o procedimen­to. “O fígado acabou indo para o próximo da fila”, lembra a mãe, Isleila Vieira, JOÃO SEDA NETO cirurgião do hospital Sírio-Libanês 35. Foi aí que uma tia, compatível, se ofereceu. O problema era o peso da mulher, que precisava emagrecer para se submeter à cirurgia.

“O transplant­e intervivos é feito com fígado parcial. Tirase um segmento pequeno do fígado do doador para colocar no bebê. Normalment­e, esse segmento representa um terço do órgão do doador, o suficiente para um transplant­e de sucesso”, diz João Seda Neto, cirurgião pediátrico do hospital Sírio-Libanês.

Enquanto a tia perdia peso, o estado de saúde da bebê se agravava. Mas a história teve final feliz. A tia conseguiu emagrecer. O desafio de Isleila agora é escrever um livro para tranquiliz­ar outras mães.

Segundo a Associação Brasileira de Transplant­e de Órgãos (ABTO), o ano de 2016 registrou aumento no número de doadores efetivos de órgão nos dois primeiros trimestres do ano —de 13,1 por milhão de habitantes para 14 por milhão.

Mas esse número ainda está abaixo do esperado para o período, de 16 por milhão.

Já a quantidade de transplant­es realizados caiu no 2º trimestre, ao passo que o número de brasileiro­s na fila por um órgão aumentou, se comparado aos dados do 1º semestre de 2015, de 32 para 33 mil. Os transplant­es mais aguardados são os de córnea, rim, fígado, coração, pulmão, pâncreas e intestino.

Tira-se um segmento pequeno do fígado do doador para colocar no bebê. Normalment­e, esse segmento representa um terço do órgão do doador, o suficiente para um transplant­e de sucesso

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