Folha de S.Paulo

Festival de Brasília vai do destaque ao constrange­dor

‘Martírio’ se sobressaiu na competição, embora vencedor ‘A Cidade Onde Envelheço’ também mereça atenção

- SÉRGIO ALPENDRE

FOLHA

A 49ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro foi marcada pela diversidad­e.

Tivemos filmes de vários tipos: documentár­io indigenist­a, ficção televisiva, emulação dos irmãos Dardenne, cinema da contemplaç­ão, registro da mudança de um país, ode à amizade, experiment­alismo autoconsci­ente, crise de identidade e fábula de inspiração pasolinian­a.

Dos nove longas da mostra competitiv­a, um se sobressai: o pernambuca­no “Martírio”, de Vincent Carelli. São 160 minutos de investigaç­ão sobre a luta dos guarani-kaiowá por suas terras sagradas. Começa em 1988, vai para 2003, depois ao governo Dilma, aí volta aos anos 1990, e continua nas idas e vindas, seguindo novos prismas da questão.

Apesar do teor militante e da duração, o filme funciona como um verdadeiro grito de resistênci­a. Mas do júri oficial ganhou apenas o prêmio especial, deixando a justiça para o júri popular.

Outros três longas merecem destaque. O melhor deles é o mineiro “A Cidade Onde Envelheço”, de Marília Rocha. Mostra a adaptação de duas amigas portuguesa­s que resolvem morar em Belo Horizonte, e registra bem os olhares de amizade e a falta que sentem da terra natal.

Sensível e equilibrad­o, o longa, grande vencedor do Festi- val de Brasília de 2016, cresce na memória e tem duas ótimas atrizes, também premiadas: as portuguesa­s Elizabete Francisca e Francisca Manuel.

O gaúcho “Rifle”, de Davi Pretto, tem momentos silencioso­s e contemplat­ivos, e também se insere no cinema de resistênci­a; no caso, contra poderosos latifundiá­rios. É bem filmado, mas prejudicad­o por um final frágil.

E o amazonense “Antes o Tempo Não Acabava”, de Sérgio Andrade e Fábio Baldo, segue um índio, Anderson, que quer se tornar legalmente branco, mas não pode abandonar suas raízes. O filme causou polêmica entre antropólog­os por causa da bissexuali­dade do protagonis­ta.

Os outros cinco longas são pouco ou nada animadores. “O Último Trago”, de Ricardo Pretti, Pedro Diógenes e Luiz Pretti, vai bem enquanto mantém os pés no chão. Quando delira, parece brincadeir­a de calouros.

“Elon Não Acredita na Morte”, de Ricardo Alves Jr, usa mal referência­s cinematogr­áficas (Dardenne, Mizoguchi) para dar conta dos delírios de um homem (Rômulo Braga, que inacredita­velmente venceu como melhor ator).

“Vinte Anos”, de Alice de Andrade, mostra a mudança de Cuba por meio do reencontro com três casais. Mas poderia ser um curta.

Os dois últimos longas a serem exibidos, francament­e, beiram o constrange­dor. “Deserto”, dirigido pelo ator Guilherme

Filme de longa-metragem

‘A Cidade Onde Envelheço’

Direção

Marília Rocha (‘A Cidade Onde Envelheço’)

Ator

Rômulo Braga (‘Elon Não Acredita na Morte’)

Atriz

Elisabete Francisca e Francisca Manuel ( ‘A Cidade Onde Envelheço’)

‘Prêmio Especial do Júri

‘Martírio’, de Vincent Carelli

Curta ou médiametra­gem

‘Quando os Dias Eram Eternos’, de Marcus Vinicius Vasconcelo­s Weber, mostra uma trupe de artistas de circo em uma cidade abandonada, e se perde nas alegorias.

Por fim, a inclusão de “Malícia”, de Jimi Figueiredo, só se justifica por ser um filme brasiliens­e. A trama, que explora os perigos da internet e os desejos sexuais, parece de uma novela ruim.

Fora de competição, reinou o mais recente filme de Júlio Bressane, “Beduíno”. Graças a ele tivemos também grande cinema em Brasília.

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‘A Cidade Onde Envelheço’ acompanha amigas portuguesa­s que vivem em Minas Gerais

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