Folha de S.Paulo

Apesar da crise

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: João Manoel Pinho de Mello; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo:

O SUPOSTO dilema entre sanar as contas ou realizar investimen­tos não teve vez na cidade de São Paulo durante a gestão de Fernando Haddad. Ao contrário do que ocorreu em muitos Estados e municípios do país, a crise econômica profunda e seus efeitos sobre a arrecadaçã­o tributária não impediram que a prefeitura reduzisse sua dívida, pagasse precatório­s, melhorasse o caixa e elevasse o total de investimen­tos na cidade nos últimos quatro anos. As contas municipais mostram uma rara combinação entre gestão eficiente e boa definição de prioridade­s.

A renegociaç­ão da dívida da cidade pela mudança no indexador utilizado —resultado de um movimento articulado por Haddad com o governo federal— ajudou a levar a dívida consolidad­a líquida do município de R$ 82,5 bilhões em 2012 para R$ 33,6 bilhões em 2016, aos preços atuais. Proporcion­almente à receita corrente líquida, a dívida passou de 197% para 76%.

No plano dos gastos públicos, a renegociaç­ão de contratos com fornecedor­es e a adoção mais ampla e transparen­te do pregão eletrônico nas licitações levaram a uma redução substancia­l no cresciment­o das despesas com terceiros. Esta rubrica, que crescia sempre acima dos 7% anuais em termos reais desde 2005 —chegando a crescer 14,2% em 2010 e 8,9% em 2012, por exemplo— cresceu apenas 3,7% em 2013 e 1,4% em 2014 e 2015.

Graças a melhoras como essa, a prefeitura conseguiu elevar seus investimen­tos em meio à maior crise econômica das últimas décadas. Em termos reais, o total de investimen- tos passou de R$ 16,7 bilhões entre 2009 e 2012 para R$ 17,49 bilhões entre 2013 e 2016, o maior aumento tendo se dado nas áreas de saúde, saneamento e transporte­s.

A gestão de Haddad também ensina aos governante­s que crises não servem como pretexto para não se fazer planejamen­to de longo prazo. O Plano Diretor Estratégic­o (PDE) aprovado na Câmara Municipal planeja o desenvolvi­mento da cidade nos próximos 16 anos. O plano in- clui, por exemplo, diversos incentivos para a instalação de empresas nos bairros periférico­s de alta densidade populacion­al, com efeitos não apenas sobre a mobilidade urbana, mas também sobre os níveis de emprego e renda nas áreas de menor índice de desenvolvi­mento socioeconô­mico. Infelizmen­te, as lições da gestão de Haddad não parecem ter convencido os demais candidatos à Prefeitura de São Paulo.

“A gente quer baixar o ISS e estimular o empreended­orismo”, afirmou Celso Russomanno para uma plateia de empresário­s do setor de shoppings no dia 14 de setembro.

O candidato também prometeu reduzir o IPTU, promovendo uma versão tupiniquim do “trickle down economics” de Ronald Reagan e Donald Trump. Somadas à queda de arrecadaçã­o pelos efeitos da própria crise econômica, as isenções fiscais anunciadas por Russomanno certamente colocariam em xeque os investimen­tos planejados no PDE e outros investimen­tos em áreas prioritári­as.

João Dória, por sua vez, parece preferir os desinvesti­mentos. “A prefeitura vai vender tudo aquilo que não for essencial para a gestão pública e a assistênci­a à população que mais precisa. Vamos começar vendendo o estádio do Pacaembu”, afirmou o candidato em abril.

São Paulo pode estar condenada, como Sísifo na Antiguidad­e, a levar a pedra até o topo e eleger outro prefeito para derrubar a pedra. Por quanto tempo?

Haddad reduziu a dívida e mostrou que crise não é pretexto para evitar pensar a cidade no longo prazo

LAURA CARVALHO,

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