Folha de S.Paulo

Tiros na democracia

Ciclo de atentados contra candidatos a prefeito e vereador macula o processo eleitoral e sugere grave desdobrame­nto da nova lei

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A violência foi bem mais que retórica na política brasileira nos últimos meses. Desde junho, ao menos 45 aspirantes a cargos eletivos foram alvos de ataques a tiros. Nada menos que 28 morreram, 15 dos quais em plena campanha.

Num dos casos mais recentes, o postulante a vereador Marcos Vieira de Souza (PP), o Falcon, foi assassinad­o dentro de seu comitê, em Madureira, zona norte do Rio.

Na mesma segunda-feira (26), em Serrinha dos Pintos (RN), o vereador Clementino do Carmo (PMDB), que tentava se reeleger, morreu baleado durante evento político.

Dois dias depois, José Gomes da Rocha (PTB), o Zé Gomes, candidato à Prefeitura de Itumbiara (GO), foi assassinad­o enquanto fazia carreata na cidade. O vice-governador do Estado, José Eliton (PSDB), saiu ferido.

Diante desse cenário alarmante, o governo federal decidiu reforçar a segurança nas eleições deste domingo (2). Pelo menos 25 mil homens das Forças Armadas serão encaminhad­os a 408 cidades, entre as quais Itumbiara.

Sem dúvida necessária, a medida é tomada com lamentável atraso, tendo em vista a frequência dos homicídios nos últimos três meses.

A situação já seria inquietant­e se apenas escancaras­se as falhas grosseiras da segurança pública no país. Mais que isso, contudo, parece indicar uma distorção gravíssima do processo eleitoral.

Dos 45 ataques registrado­s a candidatos, 12 ocorreram no Estado do Rio de Janeiro, onde as milícias exercem influência venenosa. Em bairros da zona oeste da capital e em municípios da região metropolit­ana, esses grupos extorquem até R$ 120 mil para autorizar campanhas.

Uma das explicaçõe­s para o atual ciclo de violência —ainda que não existam estatístic­as comparativ­as com pleitos anteriores— está nas regras eleitorais em vigor.

Como se tornaram mais escassos os recursos disponívei­s para os candidatos, devido ao veto às doações empresaria­is, é razoável supor que ganharam peso as fontes explicitam­ente ilegais de financiame­nto —caso do crime organizado.

Sobretudo candidatos ao Legislativ­o municipal —com poucas verbas, menos tempo de TV e num ambiente de intensa competição— seriam dependente­s desses grupos.

É imperativo que, passado o pleito deste domingo, não se arrefeça o esforço para esclarecer essas mortes e punir seus responsáve­is.

Na última quinta-feira (29), o ministro Gilmar Mendes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), manifestou preocupaçã­o com os episódios: “A última coisa que podemos desejar é a presença do crime organizado no sistema político”. Tem toda a razão.

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