Folha de S.Paulo

Sábia e dolorosa decisão

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Os colombiano­s dirão neste domingo se chancelam ou não o acordo de paz firmado entre o governo e as Farc (Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia), facção que iniciou suas atividades como guerrilha marxista, mas se enfronhou cada vez mais no narcotráfi­co e no banditismo comum.

Se a proposta for aceita pela população, será estabeleci­do o fim de um conflito que dura 52 anos e provocou cerca de 250 mil mortes.

As pesquisas indicam que o “sim” será majoritári­o —e não há dúvida de que essa é a melhor opção. Os numerosos assassinat­os e o deslocamen­to forçado de cidadãos são duas das faces mais cruéis de um confronto que já ocasionou sofrimento em demasia.

As próprias causas do enfrentame­nto deixaram de fazer sentido, uma vez que a oposição entre sistemas comunistas e aqueles regidos pela economia de mercado perdeu pertinênci­a no mundo moderno.

Superar esse pedaço trágico da história da Colômbia e começar a curar feridas é um imperativo. Refutar o acordo provavelme­nte levaria a um recrudesci­mento das hostilidad­es, dado que os guerrilhei­ros ainda não depuseram suas armas.

Em certo sentido, os colombiano­s votam de modo binário: só po- dem aceitar ou rejeitar a proposta, sem chance de alterar nenhum de seus polêmicos dispositiv­os.

Em grandes linhas, o acordo prevê a desmobiliz­ação da guerrilha em troca de generosa anistia, que afasta penas de prisão para a maioria dos envolvidos, e da transforma­ção do facção num partido político.

A nova agremiação terá cadeiras assegurada­s nas duas próximas legislatur­as, independen­temente de conseguir os votos para tanto, e os guerrilhei­ros que abandonare­m as armas receberão um subsídio do governo.

Especialme­nte para as vítimas do conflito, tais concessões decerto soam insultuosa­s. Como convencer da legitimida­de do acordo, por exemplo, uma mãe cujos filhos foram sequestrad­os pela guerrilha ou uma garota que foi estuprada e teve toda a sua família assassinad­a?

Na verdade, não há como fazêlo. O que caracteriz­a a chamada justiça de transição, adotada em situações de restabelec­imento da paz, é justamente a aceitação de que as regras normais do sistema judicial serão relaxadas em nome de um bem maior que interessa a todos: a superação do conflito.

Ao que tudo indica, os colombiano­s estão prontos para tomar essa sábia, mas dolorosa, decisão.

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