Brasil projeta ‘arapuca’ para detectar neutrinos
Projeto atraiu atenção internacional e funciona como uma armadilha de luz
Entender o motivo do Universo ser composto por matéria, ao invés de antimatéria, é um dos objetivos perseguidos FOLHA
Um grupo de pesquisadores no Brasil está desenvolvendo uma arapuca para detectar neutrinos —e, quem sabe, matéria escura.
A iniciativa, chamada literalmente Arapuca, é liderada pelo casal Ana Amelia Machado, da Universidade Federal do ABC (SP), e Ettore Segreto, da Unicamp.
Ele italiano, ela brasileira, os dois estão envolvidos na enorme cooperação internacional liderada pelo Fermilab, em Chicago (EUA), para a construção do Dune —destinado a ser o mais sensível detector de neutrinos do mundo.
Os neutrinos são as mais intrigantes partículas do chamado Modelo Padrão, o arcabouço teórico que explica hoje todas as forças e componentes conhecidos no Universo, salvo a gravidade.
Eles têm carga neutra, como o nome sugere, mas são muito pequenos, e por conta disso interagem muito pouco com a matéria convencional. Por isso, eles passaram décadas como predições teóricas, até serem finalmente detectados, em 1956.
Sabemos hoje que eles existem em três tipos diferentes, chamados de neutrino-elétron, neutrino-muon e neutrino-tau, e que, contrariando as predições teóricas originais, eles têm uma pequena massa.
Mais intrigante ainda: eles têm a capacidade de “oscilar”, ou seja, de se converter de um tipo em outro ao longo do tempo, e os cientistas ainda estão tentando entender como isso funciona.
“A ciência dos neutrinos ainda é largamente inexplorada”, disse Segreto à Folha. “E o Dune deve explorar diversas dessas questões.” EXPERIMENTO O Dune (sigla inglesa para Experimento Subterrâneo Profundo de Neutrinos) deve começar a operar por volta de 2023, instalado em Lead, Dakota do Sul.
Ele tem três objetivos. Um deles é buscar, no estudo das oscilações dos neutrinos, evidências de algo que os físicos chamam de violação de carga-paridade, que por sua vez poderia explicar o Universo ser feito de matéria, e não de antimatéria.
Outros dois objetivos seriam detectar o decaimento de um próton —algo que não sabemos se de fato ocorre na natureza— e detectar emissões de neutrinos provenientes de supernovas —antes mesmo que elas fossem visíveis no céu.
O experimento consiste em quatro grandes piscinas subterrâneas, cada uma com cerca de 17 mil toneladas de argônio líquido —que, para se manter nesse estado, precisa ser conservado a -187°C.
A ideia é bombardear esses tanques com neutrinos produzidos no Fermilab. Eles se propagarão por 1.300 km pelo interior da Terra antes de chegarem aos detectores.
A cada encontro fortuito de um neutrino com um átomo de argônio, há dois tipos de sinais resultantes —o mais rápido, que é chamado de cintilação e consiste na produção de luz resultante da colisão, e o mais lento, chamado de ionização, que envolve a perturbação de um elétron ligado ao argônio e é detectado por um grade elétrica.
O sinal luminoso é muito importante, pois indica o momento da colisão. Além disso, ele permitirá detectar neutrinos resultantes do colapso estelar de uma supernova e também indicará se houve decaimento de um próton.
Já o sinal de ionização tem papel complementar, pois permite reconstruir a trajetória e o tipo da partícula que atingiu o detector.
O projeto Arapuca —palavra que em tupi-guarani quer dizer armadilha— está voltado para a detecção de cintilação. Ele é, em essência, uma armadilha de luz.
Originalmente, o Dune deveria funcionar com barras de acrílico alongadas de aproximadamente dois metros de comprimento para fazer essa detecção de luz. Segreto e Machado, contudo, encontraram um desenho alternativo —sua Arapuca seria cerca de dez vezes mais eficiente.
No começo de setembro, o casal esteve no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas, testando compostos para a Arapuca.
A equipe corre contra o tempo, porque, embora o Dune só vá entrar em operação a partir de 2023, um protótipo que testará os sistemas para ele —inclusive a Arapuca— deve estar pronto já no fim de 2018. O trabalho é financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
Os cientistas esperam que a tecnologia desenvolvida para o Dune também possa ser implementada no projeto DarkSide, um detector de matéria escura. Conhecida apenas por seus efeitos gravitacionais, ela segue sendo um grande mistério. ARMADILHA DE LUZ O que são neutrinos? São partículas subatômicas de carga elétrica neutra capazes de atravessar facilmente a matéria – elas só interagem com a matéria pela gravidade e a força nuclear fraca Por que são importantes? Ao detectar neutrinos, que só interagem com outras partículas por meio da gravidade, seria possível desvendar como as forças da física interagem e até mesmo enender a formação de um buraco negro Arapuca Pesquisadores no Brasil desenvolvem sensor para uso no experimento internacional. Trata-se, em essência, de uma "armadilha de luz", que funcionará em temperaturas baixíssimas a fim de detectar os efeitos da eventual colisão de neutrinos
Dez anos de planejamento, mais dez de viagem interplanetária, 24 meses estudando de perto um cometa e dois pousos. A saga de Rosetta terminou na sexta (30), mas não seu legado ainda está totalmente contemplado.
A sonda encerrou de forma apoteótica sua jornada espacial ao descer suavemente, graças à débil gravidade do astro, em queda livre, à superfície do 67P/ChuryumovGerasimenko, cometa que dá uma volta em torno do Sol a cada 6,4 anos —afastamentos o levam além de Júpiter e aproximações o trazem perto da órbita terrestre.
Ao tocar o solo do astro, às 7h39, a transmissão de dados da Rosetta foi interrompida em definitivo. Com a distância até a Terra, o sinal de rádio só chegou 40 minutos depois ao centro de controle em Darmstadt, na Alemanha.
Durante a descida de 19 km, a Rosetta coletou dados e fotos, com 7 de seus 11 instrumentos. Nisso, colheu quase 200 megabytes em grande proximidade da superfície do Churyumov-Gerasimenko.
O contato final se deu na região do cometa conhecida como Ma’at, onde há diversos buracos enormes, com mais de 100 metros de largura por 50 de profundidade, produzidos pela atividade do cometa. O “grand finale” da Rosetta foi tentar observar principalmente as paredes internas desses buracos cuja textura revela a maneira como o próprio cometa foi formado a partir de pequenos grãos há 4,6 bilhões de anos.
Astros como o ChuryumovGerasimenko são agregados de gelo e rocha formados nos primórdios da história do Sistema Solar.
Como se mantiveram intocados por bilhões de anos, esses cometas oferecem a possibilidade de investigar a origem dos planetas.
Lançada em 2004, a Rosetta fez história após dez anos. É a primeira sonda a entrar em órbita de um cometa e lá depositar um módulo de pouso.
A coleta de dados acabou, mas ainda há muito que se descobrir nas observações feitas pela sonda. Cerca de 80 mil fotografias de alta resolução produzidas pela espaçonave sequer foram analisadas.
O mesmo vale para as medições espectroscópicas que indicam a composição do cometa rica em compostos orgânicos e possíveis precursores da vida.
“Assim como a pedra de Roseta, que deu nome à missão, foi essencial para entender a história e a linguagem antiga, o vasto tesouro de dados da Rosetta está mudando nossa visão de como os cometas e o Sistema Solar se formaram”, disse Matt Taylor, cientistachefe da missão. (SN)