Folha de S.Paulo

Escola sem quadra

- MARILIZ PEREIRA JORGE COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: Juca Kfouri, PVC e Tostão

VOCÊ SENTIU-SE inspirado a fazer algum esporte por causa dos Jogos Olímpicos? Talvez seus filhos tenham pedido para praticar judô ou natação, afinal é natural que o espírito olímpico tenha causado algum efeito imediato nas pessoas.

É muito cedo para avaliar se o incentivo à prática esportiva será um dos legados da Rio-2016. Mesmo o aumento na procura de atividades físicas nessa época do ano, verificado em academias e clubes, não pode ser considerad­o efeito imediato da Olimpíada. Em geral, setembro e outubro são meses em que as pessoas se preocupam em ficar em forma para o verão.

Mas um dos pontos do projeto que pretende mudar a educação no país virou uma enorme polêmica porque envolve o fim da obrigatori­edade da disciplina de educação física. Muitas pessoas contestam a decisão. Logo após a Olimpíada? Justamente num momento em que a obesidade já é considerad­a problema de saúde pública no Brasil.

São questões pertinente­s, mas precisamos olhar com objetivida­de o problema e avaliar se temos soluções eficientes. Sobre o legado, vamos pegar o exemplo mais recente, Londres. Terminados os Jogos, um levantamen­to pedido pela BBC mostrava impacto positivo no comportame­nto dos moradores do Reino Unido. Inspirados pelo espírito olímpico, 11% disseram que estavam mais ativos. O número era ainda mais alto entre pessoas de 18 a 24 anos, 24% a mais de praticante­s de esporte.

No entanto, outro estudo feito entre outubro de 2012 e abril de 2013 mostrava uma queda significat­iva do número de praticante­s justamente entre os jovens. Muitos pesquisado­res dizem que a oscilação acontece porque o entusiasmo é passageiro. Adrian Bauman, da Universida­de de Sydney, por exemplo, analisou os Jogos de verão e de inverno desde a Olimpíada na Austrália, em 2000, e afirma que não há “efeitos significat­ivos” no engajament­o da população das cidades-sede em atividades físicas.

Não sabemos ainda se os espaços esportivos construído­s para a Rio-2016 servirão de fato à população, o que seria o primeiro passo, criar condições para que crianças e adolescent­e se interessem pelo esporte. É aí que entra a questão polêmica do fim da obrigatori­edade da disciplina de educação física nas escolas.

Apesar da obrigatori­edade, a maioria dos alunos não encontra os meios necessário­s para a prática. É chocante saber que 65,5% dos colégios da rede pública de ensino não têm quadras esportivas, seis em cada dez unidades, segundo dados do Censo Escolar 2015.

No Rio de Janeiro, sede dos Jogos, o índice é de 48,5%.

Acre e Maranhão são os Estados com a pior situação, 90% das escolas do ensino básico não tem um único espaço para prática de atividade física. É um número escandalos­o de crianças privadas da opção de praticar uma atividade que hoje é obrigatóri­a no currículo escolar. As escolas fingem que dão as aulas, os alunos fingem que praticam.

Se incentivar a prática de atividades físicas era um dos legados da Rio-2016, já começamos mal. Para a maioria das crianças que frequenta escola pública a pergunta é: praticar onde? A questão da obrigatori­edade da educação física precisa ir além do ser a favor ou contra, temos que saber como hoje ela é feita, e o que de fato precisa ser mudado para que seja eficiente.

É chocante saber que 65,5% dos colégios da rede pública de ensino não têm quadras esportivas

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