Folha de S.Paulo

PROFISSÃO: REPÓRTER

‘Notícia de um Sequestro’ faz 20 anos; personagem recorda fatos narrados no clássico jornalísti­co de García Márquez

- SYLVIA COLOMBO

Quem vê a expressão tranquila e o riso fácil de Maruja Pachón, 67, quando chega para a entrevista com a Folha num café de um bairro nobre de Bogotá não consegue relacioná-la a uma mulher que passou por tantos dramas pessoais por conta da violenta história da Colômbia.

Além de resistir a 182 dias de cativeiro, sequestrad­a a mando do narcotrafi­cante Pablo Escobar (1949-1993), teve o cunhado, Luis Carlos Galán, candidato a presidente da República e de quem era assessora, assassinad­o em pleno comício, em 1989. Seu marido, o político Alberto Villamizar, escapou por pouco de um atentado, e Pachón teve de exilar-se para salvar sua vida e a de seus seis filhos.

Maruja Pachón, que se tornaria ministra da Educação da gestão César Gaviria (19901994), é a mais famosa vítima entre as sobreviven­tes da série de dez sequestros realizados, entre 1990 e 1991, pelo Cartel de Medellín, comandado por Escobar.

O episódio é contado, de forma resumida e com certa liberdade, na primeira temporada da série “Narcos”.

Com muito mais apuro, é narrado por Gabriel García Márquez (1927-2014) em “Notícia de um Sequestro”. Hoje um livro-reportagem clássico, ‘Notícia’ completa 20 anos de publicação e recebe homenagem no Festival García Márquez, da Fundação Nuevo Periodismo Iberoameri­cano, que se encerra neste sábado (1º) em Medellín.

A escolha das vítimas desse

MARUJA PACHÓN,

personagem do livro-reportagem delito não foi aleatória. “Éramos todos pessoas próximas ao poder, ou pela política, ou pelo jornalismo. Ou seja, éramos moeda de troca para que Escobar conseguiss­e o que queria.”

Àquela altura, o bandido mais buscado da Colômbia desejava evitar ser extraditad­o para os Estados Unidos por crime de narcotráfi­co.

O sequestro orquestrad­o dessas dez figuras, que envolviam ainda o filho do proprietár­io do principal jornal do país (Francisco Santos, primo do atual presidente Juan Manuel Santos) e a filha de um ainda influente ex-presidente, Diana Turbay, entre outros, mostrava o poder de pressão que o Cartel de Medellín era capaz de exercer.

As exigências de Escobar eram que se mudasse a Constituiç­ão para proibir extradiçõe­s e que ele pudesse escolher onde e como seria preso, caso decidisse se entregar. ENCRENCA “Conheci Gabriel García Márquez muito jovem, quando trabalhava como jornalista no ‘El Espectador’. Quando meu cativeiro terminou, ele se aproximou, interessad­o, pois queria transforma­r minha história num livro”, conta Maruja Pachón.

“Depois se deu conta de que não poderia contar apenas a minha parte, teria que contar a de todos os sequestrad­os, porque esse episódio mobilizou e mudou a sensibilid­ade do país para a violência. Aí, sim, Gabo percebeu a encrenca em que estava metido”, recorda Pachón, dando risada.

De fato, o caso dos dez sequestrad­os deu uma projeção inédita ao poder dos cartéis. Campanhas pela liberação do grupo passaram a ser feitas na mídia, além de passeatas, missas e protestos.

“Até então, ninguém tinha muita ideia da força dos cartéis nem de quanto boa parte dos políticos estava vinculada a eles. Esse poder imenso do narcotráfi­co sobre a sociedade só se fez sentir com força nesse momento, quando Escobar acertou o coração da elite de Bogotá. Gabo foi corajoso ao expor isso.”

O poder imenso do narcotráfi­co sobre a sociedade só se fez sentir com força nesse momento, quando Escobar acertou o coração da elite de Bogotá. Gabo foi corajoso ao expor isso

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