Folha de S.Paulo

‘Eu escolhi viver’, diz vítima de Escobar

Maruja Pachón, sobreviven­te dos sequestros do Cartel de Medellín, diz que votará a favor do acordo com as Farc

-

Personagem de ‘Notícia de um Sequestro’ conta como era o repórter García Márquez e recorda seu cativeiro

“A importânci­a desse livro está na riqueza de detalhes e no rigor da apuração, além da forma de narrar. É uma espécie de manual sobre como fazer uma boa reportagem”, diz o editor espanhol Juan Cruz, do “El País” sobre “Notícia de um Sequestro”.

Gabo ouviu os sobreviven­tes, os envolvidos nas negociaçõe­s, foi aos locais de cativeiro que pôde encontrar, quis sentir cada sensação de seus entrevista­dos.

“Ele perguntava muito, mas o que mais fazia era ouvir e não se importava se a entrevista durava horas. Tinha um olhar muito sensível aos detalhes”, conta Pachón sobre as sessões com o Nobel.

O livro mescla capítulos que se passam dentro dos locais de cativeiro com outros que tratam dos bastidores da política do país. Assim, nuns está Maruja desesperan­do-se com a cunhada, sequestrad­a com ela, e que tinha frequentes ataques de pânico, ou brigando com seus guardiões.

“Eu armava cada escândalo. Sabia que eu era importante para eles viva, então os confrontav­a”, conta.

Noutros, Gabo descreve as pressões que os familiares faziam sobre o presidente Gaviria, para que cedesse às exigências de Pablo Escobar e, assim, salvasse a vida dos seus seres queridos.

Maruja Pachón, porém, pouco ou nada sabia do que se passava do lado de fora.

“Quando os sequestrad­ores me deixavam sem TV ou rádio eu quase enlouqueci­a. Sou capaz de sobreviver sozinha, mas tenho de saber o que está acontecend­o”, conta, acrescenta­ndo que até hoje assiste atentament­e às sessões do Senado.

MARUJA PACHÓN

fonte do livro de Garcí aM árquez

Sem muito mais com que se entreter, ela passou a observar os que a vigiavam.

No livro, está uma descrição minuciosa deles, que, diz, a fizeram entender seu país “de modo mais completo”.

Eram sicários que se alternavam na guarda. “Alguns tinham a idade dos meus filhos e ouviam as mesmas músicas, como Guns N’ Roses. Outros eram muito brutos e violentos, mas rezavam tanto que eu me assustava.”

A discussão mais séria que teve com os sequestrad­ores foi quando questionou como podiam ser católicos tão fervorosos e saírem matando e cometendo tantas barbaridad­es. Olhando-a firme, um lhe perguntou: “A senhora é ateia?”. Ela confirmou, mas logo se arrependeu porque aí, sim, temeu que a matassem.

“Eu inventei que acreditava num outro sistema diferente do deles lá, e me deixaram em paz”, conta, rindo.

O desenlace do sequestro foi terrível para alguns, como para Diana Turbay, morta numa tentativa de resgate. Se Pachón voltou ao lar sã e salva, isso se deveu em grande parte ao papel de seu marido, que se ofereceu como mediador entre o governo e Escobar.

Villamizar conseguiu que o traficante se entregasse ao final —ainda que, de fato, o bandido tenha conseguido ser preso onde queria, uma prisão escolhida e adaptada por ele, a famosa La Catedral.

Pergunto se ela voltou a ler o livro ou se costuma pensar naqueles dias de cativeiro.

“Não. Só li quando foi publicado. Também não quis saber o que ocorreu com os que me mantiveram ali. Eu me recusei a ir à polícia reconhecer suspeitos. Quem passa por coisas assim tem duas opções. Ou se transforma em uma pessoa rancorosa e cheia de ressentime­ntos, ou escolhe viver. Eu escolhi viver.”

Hoje viúva, mora nos arredores de Bogotá, vizinha à irmã, Glória, também viúva e vítima daqueles anos violentos —era casada com o candidato assassinad­o Galán.

Diz que votará “sim” no plebiscito do acordo de paz entre o governo e as Farc (Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia), neste domingo (2). “Estou otimista. Quero que o “sim” ganhe e que a Colômbia olhe para a frente. Gabo queria isso também. Já sofremos demais com todas essas diferentes ondas de violência.”

“Colômbia olhe para a frente. Gabo queria também. Já sofremos demais com ondas de violência

(SYLVIA COLOMBO)

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil