Folha de S.Paulo

De costas para o futuro

Em votação irresponsá­vel, Câmara aprova renegociaç­ão de dívida dos Estados sem exigir medidas que levem ao equilíbrio das contas públicas

-

Os deputados derrotaram o governo de Michel Temer (PMDB) e todos os que se preocupam com a saúde das contas públicas ao decepar a proposta de renegociaç­ão da dívida dos Estados que havia sido aprovada pelo Senado.

O projeto de lei que agora segue para sanção presidenci­al estabelece o alongament­o por 20 anos das dívidas dos entes regionais com a União, com descontos nas prestações até junho de 2018 —a diferença será acrescida ao saldo devedor.

Reconheça-se a necessidad­e do alívio; muitos Estados, por obra de governador­es presentes ou passados, vivem situação calamitosa.

Tal socorro, contudo, jamais poderia equivaler a um favor. Era, mais que oportuno, imperativo valer-se desse momento para impedir a repetição de gestões irresponsá­veis nos Estados. Não por outro motivo a proposta a princípio vedava contrataçõ­es e aumentos de salários e determinav­a a redução dos cargos comissiona­dos e o aumento na contribuiç­ão de inativos.

Em vez dessas medidas —sem dúvida duras, mas essenciais para equilibrar as contas—, os deputados deixaram uma simples contrapart­ida: a limitação do cresciment­o do gasto primário dos governos regionais à variação da inflação pelo prazo de dois anos.

Em outras palavras, os deputados deram de ombros para o futuro. Não querem nem saber se os governos resolverão o verdadeiro problema: as despesas com pessoal ativo e aposentado­s, se corretamen­te contabiliz­adas, com frequência superam 70% da receita.

Num padrão há muito conhecido, gestores permitem que a máquina cresça sem se preocupare­m com a arrecadaçã­o. Tornam as despesas incompatív­eis com as receitas e fingem que isso é administra­r.

Os deputados federais, por sua vez, seja porque não entendem nada desse assunto, seja porque têm medo de aprovar medidas tachadas de impopulare­s, quase sempre cedem à pressão das corporaçõe­s beneficiad­as à custa do contribuin­te.

Na renegociaç­ão com os Estados, o governo conseguiu ao menos uma vitória parcial. Preservou-se o Regime de Recuperaçã­o Fiscal, que se pretende análogo à recuperaçã­o judicial de empresa privada. A ideia básica é facilitar a reestrutur­ação de passivos, inclusive com pessoal e fornecedor­es.

Também aí, porém, os deputados enfraquece­ram o texto com a retirada de itens como a possível redução de jornadas de trabalho com redução proporcion­al de salários.

Ainda que a prerrogati­va de homologar o plano seja da Presidênci­a, e ainda que Temer tenha manifestad­o intenção de exigir contrapart­idas em troca de ajuda, perdeu-se a oportunida­de de criar um roteiro de ajuste a partir da lei federal. Além do funcionali­smo dos Estados, ninguém ganha com isso.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil