Folha de S.Paulo

Descrimina­lização do aborto e STF

- DANIEL SARMENTO

O aborto é criminaliz­ado no Brasil, a não ser nas hipóteses em que a gravidez resulte de estupro, represente risco de vida para a gestante ou quando o feto seja portador de anencefali­a. O tratamento dado à matéria é extremamen­te restritivo, não se alinhando à tendência internacio­nal contemporâ­nea, muito mais liberal.

Esse cenário pode estar se alterando. Há poucas semanas, a primeira turma do Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitu­cionalidad­e da criminaliz­ação do aborto no primeiro trimestre de gestação. A decisão foi proferida em julgamento de caso concreto e não possui efeitos vinculante­s para outros processos.

De todo modo, trata-se de precedente importantí­ssimo, que tende a exercer grande influência sobre a nossa jurisprudê­ncia. O tema tem extraordin­ária relevância social: de acordo com pesquisa recente, ocorrem no Brasil cerca de meio milhão de abortos clandestin­os por ano; e aos 40 anos aproximada­mente uma em cada cinco mulheres brasileira­s já abortou.

A criminaliz­ação do aborto envolve grave restrição a direitos fundamenta­is das mulheres. A imposição da gestação e da maternidad­e indesejada­s atinge profundame­nte o direito à autonomia, que envolve a prerrogati­va do indivíduo de realizar as suas escolhas básicas de vida e de controlar o próprio corpo.

Ela viola a igualdade de gênero, pois instrument­aliza as mulheres e impõe que suportem ônus que não recai também sobre os homens. Acima de tudo, a medida tem impacto desproporc­ional sobre as mulheres pobres, que, muito mais do que as abastadas, acabam se submetendo a práticas inseguras, com graves riscos à sua vida e saúde.

A proteção da vida futura é também papel relevante do Estado. Todavia, existe um certo consenso internacio­nal no sentido de que a tutela jurídica da vida do feto —que não se equipara àquela conferida à vida da pessoa já nascida— vai aumentando, na medida em que avança a gestação.

É por isso que, na linha da decisão do STF, a maior parte dos países desenvolvi­dos admite o aborto no primeiro trimestre da gestação —em que ainda não se formou o córtex cerebral, responsáve­l pelas capacidade­s humanas de sentir emoções e de usar a razão—, mas não o aceita nos estágios finais da gravidez.

De todo modo, um dos mais fortes argumentos contrários à criminaliz­ação do aborto é o de que a medida nem sequer é eficaz no seu objetivo de proteger a vida futura. As mulheres dificilmen­te deixam de abortar em razão da proibição legal, mas passam a fazê-lo em condições mais perigosas e insalubres.

Estudo da Organizaçã­o Mundial da Saúde e da Fundação Allen Guttmacher demonstra, inclusive, que a taxa anual de abortos é até ligeiramen­te menor nos países em que a prática é legalizada.

Enfim, há outros meios mais eficientes e humanos de evitar a prática de abortos que devem ser priorizado­s, como a educação sexual, a distribuiç­ão de anticoncep­cionais e a adoção de políticas sociais que visem evitar que mulheres abortem por falta de recursos para criação do filho.

Já passou da hora de o Brasil adotar tratamento mais racional e igualitári­o na questão do aborto. Por isso, a decisão do STF deve ser aplaudida. Ao se pronunciar sobre essa questão, tal como diversas cortes estrangeir­as já o fizeram, o Supremo não invade seara exclusiva do Congresso. Afinal, proteger direitos fundamenta­is diante do arbítrio ou do descaso das maiorias políticas é a função mais nobre e importante de um tribunal constituci­onal. DANIEL SARMENTO

Parece que a tática do juiz Moro é aceitar toda e qualquer denúncia contra Lula para, quem sabe, conseguir, com provas ou convicções, que ele seja condenado. O que se viu até o momento foi Lula ser beneficiad­o com um sítio, um apartament­o e dinheiro que, pasmem, não lhe pertencem. Chama a atenção que, na semana em que políticos foram citados numa delação bombástica que envolve até o presidente, conseguira­m desviar as atenções para as “novas” denúncias contra Lula.

MARA CHAGAS

Delação da Odebrecht Nem os mais otimistas podem negar que, para que os 77 depoimento­s das delações premiadas, ora nas mãos solitárias do ministro Teori Zavascki, evoluam para processos devidament­e instruídos, que finalmente irão a julgamento, passarão anos a fio. Ao final, provavelme­nte muitos dos envolvidos poderão se safar porque seus crimes estarão prescritos.

LUÍS ROBERTO NUNES FERREIRA

Ao referir-se elogiosame­nte às reformas em andamento, Abilio Diniz fala do “duro caminho sendo trilhado”. Fica a pergunta: duro para quem? Sabemos a resposta.

JOSÉ MARCOS THALENBERG

Educação Sobre “Doria avalia rever critérios para reprovação de alunos” (“Cotidiano”, 18/12), a Secretaria Municipal de Educação esclarece que é incorreto dizer que, por escassez de recursos, houve redução no leite entregue aos alunos. O Leve Leite foi cumprido integralme­nte nestes quatro anos. Está errada a informação de que a execução orçamentár­ia da SME está abaixo da média. O orçamento para 2016 foi de R$ 10 bilhões. Até 14/12, houve o empenho de R$ 9,297 bilhões. A SME executará mais de 99% do orçamento. Sobre a retenção de alunos, a implantaçã­o dos ciclos no ensino fundamenta­l constitui grande avanço na garantia dos direitos de aprendizag­em.

NÁDIA CAMPEÃO,

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