Avós e até escritório se tornam refúgio nas férias escolares
Famílias se rearranjam e buscam uma nova rotina para enfrentar os meses em que os filhos estão sem aulas
Além de recorrer a parentes, pais chegam a levar filhos ao serviço ou buscar espaços de trabalho com brinquedo
A conta não fecha. Enquanto os pais costumam ter 30 dias de férias por ano, as crianças têm mais de 70 —boa parte de dezembro, além de janeiro e julho inteiros.
O descompasso é fonte de angústia com os filhos 24 horas em casa e, somado às restrições orçamentárias e às mudanças de papeis de homens e mulheres no mercado de trabalho e nos cuidados com os filhos, tem-se a tempestade perfeita.
Seus efeitos foram identificados por estudos que apontam para aumento do estresse em pais que vivem conflitos entre responsabilidades do trabalho e da família.
A primeira opção de quem trabalha e não tem babá é, em geral, recorrer aos avós.
A aposentada Rosalinda Rodrigues Silva, 69, recebe os netos Mariana, 10, e Henrique, 6, nas férias em Bebedouro, no interior do Estado, enquanto a filha segue trabalhando na capital paulista.
“Digo que avó, nas férias, tem duas alegrias: quando os netos chegam, porque o amor é muito grande; e quando vão embora, porque já estou exausta”, admite a avó.
Já o coordenador de projetos Gustavo Carvalho, 32, se mudou com a família de Pernambuco para São Paulo e está pela primeira vez longe de sua rede de apoio nas férias.
“Cogitamos colocar nosso filho numa colônia de férias, mas jogá-lo num ambiente em que não conhece ninguém nos pareceu traumático. Isso fora o fator financeiro.”
Ele levou Vicente, 3, para o escritório durante a semana passada. “Tenho a sorte de trabalhar numa empresa que permite isso. Mas o dia não rende a mesma coisa”, diz.
Para a psicóloga e colunista da Folha Rosely Sayão, o mercado de trabalho não acolhe pais que cuidam dos filhos. “As empresas poderiam criar espaços com monitores”, avalia. “Também deveria haver espaços públicos para isso, é responsabilidade social.”
Para Cinthia Dalpino, criadora do projeto “mãe At work”, que investiga alternativas ao impasse entre a vida de mãe e a carreira, boa parte das dificuldades hoje se deve ao isolamento típico dos grandes centros urbanos.
“Já não existe aquela coisa de pedir ajuda à vizinha. As pessoas tentam tirar dinheiro da cartola para pagar um lugar de ‘recreação’ porque nos isolamos uns dos outros.” RODÍZIO E TRABALHO A funcionária pública Luciana Cunha, 35, mãe de Elisa, 3, e a dentista Alessandra Abdalla, 38, mãe de Gabriel, 3, são exceções à regra.
Sempoderrecorreràmãeou à sogra, Luciana solucionou o dilema de fim de ano com a ajuda de Alessandra, que encaixou clientes em horários alternativos para receber Elisa todos os dias em casa.
Elisa frequenta berçários e escolinhas desde os 4 meses, quando acabou a licença maternidade, e fica em colônias de férias no recesso escolar.
“De tanto ver crianças sa- indo e ela ficando na escola, um dia perguntou: ‘Por que meus amigos tiram férias e eu não?’”, conta a mãe. “Foi muito triste. Eu e meu marido decidimos não tirar mais férias juntos para eu estar com ela em janeiro e ele, em julho. Mas ainda sobrava dezembro. Foi incrível ser acolhida pelo carinho da Alessandra.”
De olho nisso surgiram espaços de trabalho compartilhado com brinquedos, canto da soneca e cuidadores.
Em São Paulo, a Casa de Viver, que completa dois anos, viu seu faturamento incre- mentar em 21% e o número de crianças aumentar 34% desde o início das férias.
A psicóloga Martha Gieseke Meniconi, 38, que costuma levar sua bebê de sete meses para trabalhar ali, agora chega com um comboio de três filhos. “As férias escolares são um momento tenso para os pais. A gente tem de se adaptar a uma nova rotina.”
Nesses escritórios compartilhados com áreas próprias para crianças há preços variáveis —como cerca de R$ 20 por hora ou R$ 1.000 em plano de 80 horas mensais.