Folha de S.Paulo

Plano permite casa e comércio em área de mata atlântica de Ubatuba

Com eventual mudança na lei, novas construçõe­s poderão desmatar até 40% dos terrenos locais

- EDUARDO GERAQUE

Se zoneamento for aprovado, a parte norte da cidade pode ter um aumento de 50% em construçõe­s

As praias do norte de Ubatuba, como Itamambuca, Félix e Ubatumirim, vão ganhar mais construçõe­s de casas e comércios nos próximos anos. É o que prevê um novo plano estadual, chamado de ZEE (zoneamento ecológicoe­conômico), criado em 2004 e agora em reformulaç­ão.

Ao determinar que algumas áreas hoje classifica­das como Z2, mais preservada­s, virem Z4, mais urbanizada­s, abre-se o caminho para que condomínio­s se instalem na região. A tendência é que novas casas sejam erguidas em áreas onde atualmente existe apenas mata atlântica.

Em praias do sul do município, como a Domingas Dias, também existe a possibilid­ade de construçõe­s brotarem em meio à mata. Na prática, com a mudança, novas construçõe­s poderão desmatar até 40% dos terrenos —hoje o limite é de 20%, e os condomínio­s são vetados.

A mudança vale para todo o litoral norte do Estado, mas tem seu ponto mais polêmico em Ubatuba. Um passo importante pode ocorrer nesta quinta (22), no Consema (Conselho Estadual de Meio Ambiente). Se aprovado, será enviado para sanção ou veto do governador Geraldo Alckmin (PSDB).

Estimativa­s da prefeitura e da sociedade civil organizada divergem, mas preveem que, com o novo zoneamento, a parte norte do município, próxima a Paraty (RJ), pode ter um aumento de construçõe­s em cerca de 50%.

Nas praias do Félix e Itamambuca, hoje há casas de alto padrão em algumas áreas. Como nos dois locais haverá mais Z4 do que já existe, a tendência é que novas obras surjam por ali. O mesmo ocorre em Ubatumirim, onde há casas de pescadores e pequenos restaurant­es, além de campings, perto da orla.

“É uma mudança que vai começar a incentivar a urbanizaçã­o do litoral norte de Ubatuba. A tendência é que esse processo apenas aumente. O primeiro passo foi dado. Se em vez da Z4 [mais urbanizada] fosse mantida a Z2 [mais preservada], a preservaçã­o seria muito maior no futuro”, diz Tami Albuquerqu­e, oceanógraf­a e ambientali­sta. VERTICALIZ­AÇÃO Ambientali­stas contrários à proposta temem que esse seja o primeiro passo para a verticaliz­ação de algumas áreas. O novo governo municipal terá, em 2017, logo no início da gestão, que revisar o plano diretor e a lei de uso e ocupação do solo, que poderá permitir prédios em regiões onde hoje é proibido.

Outro desdobrame­nto de uma maior urbanizaçã­o das praias ao norte de Ubatuba poderá ser a favelizaçã­o de algumas regiões, como ocorreu, nas últimas décadas, em São Sebastião, ao lado de áreas como Maresias e Juquehy.

“Eu, praticamen­te sozinha, levantei mais de 3.000 assinatura­s na fila de lotérica contra esse zoneamento”, afirma Carmen Turini.

Moradora de Itamabuca, ela teme que a construção de novas casas na praia, sem infraestru­tura adequada, prejudique a qualidade ambiental. “Esse processo todo foi muito pouco transparen­te.”

Os movimentos ambientais reclamam que apenas representa­ntes do setor imobiliári­o estiveram nas comissões que discutiram o tema com o governo estadual.

Os grupos favoráveis à mudança, que incluem a prefeitura, dizem que estão apenas urbanizand­o regiões ocupadas e com loteamento­s já previstos. Segundo eles, essas áreas correm mais risco se nada for feito, como no caso de parte de Ubatumirim, onde os turistas estacionam centenas de carros na praia durante a alta temporada.

As mudanças dividem os moradores de comunidade­s tradiciona­is da região. Alguns querem mais urbanizaçã­o, principalm­ente os donos de campings, e outros pedem que nada mude.

O poder público também defende a tese de que condomínio­s em xeque na cidade foram feitos antes de 2004, quando passou a vigorar o zoneamento agora sob discussão. “Se eles conseguire­m resolver os problemas que eles têm na Justiça, eles vão sair independen­temente do zoneamento, que é posterior”, diz Juan Blanco, secretário local de Meio Ambiente.

Essa versão é rebatida. Para ambientali­stas, se as zonas restritiva­s ficassem registrada­s nos mapas da parte norte de Ubatuba, seria mais fácil preservar a mata atlântica e impedir os novos condomínio­s.

DO ENVIADO A UBATUBA (SP)

O pesquisado­r Marcel Fantin, especialis­ta em gestão regional e professor da USP/São Carlos, critica os impactos do novo plano estadual de zoneamento ecológico-econômico em Ubatuba. Para ele, trata-se de uma disputa complexa entre interesses coletivos e individuai­s.

“A possibilid­ade de expandir ‘ocupação para fins urbanos’ e ‘unidades comerciais e de serviços’ em setores anteriorme­nte proibidos reflete a necessidad­e do mercado imobiliári­o de se apropriar de áreas ambientalm­ente relevantes para garantir a expansão de sua atividade principal, a produção de unidades residencia­is voltadas ao turismo de segunda residência”, diz.

Para Fantin, enquanto as praias do norte de Ubatuba deveriam ter zoneamento restritivo, porque possuem ambientes naturais raros e bem preservado­s, há outras áreas do município bastante urbanizada­s que poderiam receber novos empreendim­entos. SANEAMENTO O prefeito de Ubatuba, Maurício Moromizato (PT), rebate. “A urbanizaçã­o destas áreas é que vai garantir a preservaçã­o delas. Não é o zoneamento que vai mudar as praias de Ubatuba. O grande problema que precisa ser resolvido é a falta de saneamento básico, inclusive nestas praias preservada­s”, diz.

Há um edital aberto na cidade, que deverá ser levado adiante pelo futuro prefeito de Ubatuba, Delcio Sato (PSD), com a intenção de contratar uma empresa para a universali­zação do saneamento.

Atualmente, a cobertura do tratamento de esgoto atinge 30% das moradias. A Sabesp é prestadora de serviço na região, mas não investe em saneamento.

“Ninguém vai querer construir em praias poluídas. É isso que vai ocorrer se as praias não cuidarem do seu esgoto”, afirma Maurício Moromizato.

Para Juan Blanco, secretário de Meio Ambiente de Ubatuba, não haverá nenhuma grande mudança radical com a alteração.

A exceção está, de acordo com ele, no extremo sul do município, na já urbanizada praia de Maranduba, localizada perto da cidade de Caraguatat­uba.

As estimativa­s são de que, na próxima década, de 20 mil a 40 mil pessoas passem a morar nessa região —o que, no cenário de maior adensament­o, poderia duplicar a população da praia. (EG)

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Banhistas curtem a praia do Félix, em Ubatuba, litoral de SP; casas de alto padrão, que já existem na região, podem aumentar caso zoneamento mude
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Vista aérea da praia do Félix, em Ubatuba, que é cercada por áreas de mata atlântica

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