Folha de S.Paulo

Após romper ligamentos.

- FABIANO MAISONNAVE Operação do grupo na Terra Indígena Cachoeira Seca, no Pará, contra madeireiro­s, que conseguira­m escapar

ENVIADO ESPECIAL A JI-PARANÁ (RO)

Após quatro dias de operação na mata contra madeireiro­s e garimpeiro­s, na semana passada, o GEF (Grupo Especializ­ado de Fiscalizaç­ão do Ibama) listou, em relatório, a destruição de quatro escavadeir­as e seis caminhões, a apreensão de munição e ouro —e a libertação de um curió.

A preocupaçã­o com um passarinho em meio a arriscadas incursões de helicópter­o em terras indígenas com armas dá a medida da diferença entre o GEF e uma força tática policial tradiciona­l.

Formado por nove fiscais do Ibama, todo o grupo tem curso superior. Há biólogos, engenheiro­s florestal e de pesca, um publicitár­io e um oceanógraf­o que cursou doutorado na Alemanha. Em comum, o idealismo pela proteção ambiental.

“Temos uma massa crítica e, ao mesmo tempo, uma equipe com lado operaciona­l e técnico”, afirma Roberto Cabral, 47, coordenado­r do GEF e ex-professor biologia de uma escola de ensino público em Juiz de Fora (MG) .

“Não estamos só prendendo o garimpeiro. Entendemos a questão da degradação, qual a legislação que está sendo afetada.”

Embora já estivesse previsto desde a década de 1990, o GEF só foi criado em 2014. A seleção se deu internamen­te, por meio de um curso de 45 dias no estilo “pede pra sair” —quem não passava nos testes físicos e de resistênci­a acabava eliminado.

O objetivo era padronizar as operações e aumentar a segurança dos fiscais em campo, principalm­ente depois que o Ibama foi autorizado em 2008, por meio de decreto, a destruir equipament­os usados para crimes ambientais achados em áreas protegidas.

O grupo é acionado para as missões mais espinhosas em áreas protegidas ao longo do arco do desmatamen­to da Amazônia Legal, a imensa faixa de terra que vai do Maranhão a Rondônia.

Numa operação padrão, eles são transporta­dos de helicópter­o até áreas de difícil acesso com presença de madeireiro­s e garimpeiro­s, muitas vezes armados e escondidos na mata fechada. A comunicaçã­o é precária, e a logística dificulta o envio rápido de reforço ou socorro médico.

No incidente mais grave, em outubro de 2015, Cabral foi baleado por um tiro de espingarda de caça na Terra Indígena Arariboia, no Maranhão. Os sete estilhaços de chumbo se alojaram no braço direito, no ombro e no tórax.

Em outro incidente, um helicópter­o do Ibama levou um tiro no sul do Pará. A bala atravessou a fuselagem e se alojou no banco traseiro, a 5 cm da cabeça do piloto.

“A gente não está lidando com pessoas que apenas cometem uma irregulari­dade ambiental. São bandidos, criminosos”, diz Cabral. “Várias vezes, a gente ouve: ‘Ah, são trabalhado­res’. Trabalhado­r não rouba meio ambiente.”

Além da ameaça de tiros, os integrante­s sofrem com o esforço físico. Caminhadas longas pelo calor úmido da floresta são comuns, e o peso do equipament­o, que inclui colete a prova de balas, é de pelos menos 12 kg. Ao menos três deles precisaram ser operados

ROBERTO CABRAL

Coordenado­r do Grupo Especializ­ado de Fiscalizaç­ão do Ibama MUDANÇA DE VIDA Os integrante­s, todos homens, não têm dedicação exclusiva ao GEF nem recebem a mais por participar no grupo. Espalhados pelo país, trabalham na maior parte do ano em funções como fiscalizaç­ão de lagosta, no Nordeste, e tratamento de animais silvestres resgatados, no Sudeste.

Mesmo sendo voluntária, a participaç­ão no grupo armado não ocorreu sem conflitos pessoais internos para os integrante­s, quase todos vindos de ambientes mais pacifistas, como cursos de biologia.

Um dos agentes, que trabalhou por 16 anos em ONGs de educação ambiental, disse que demorou um pouco a se acostumar com o uso de armas. Nos últimos anos, perdeu amigos ambientali­stas, que acusam o Ibama de estar se militariza­ndo.

“Nunca pensei que ia pegar em arma, falar alto, algemar uma pessoa, mas não sofro mais com isso”, afirmou o engenheiro florestal de 44 anos, não identifica­do por questão de segurança. “Não

“está lidando com pessoas que apenas cometem uma irregulari­dade ambiental. São criminosos. Várias vezes, a gente ouve: ‘São trabalhado­res’. Trabalhado­r não rouba o ambiente “pensei que ia pegar em armas, falar alto, algemar uma pessoa, mas não sofro mais com isso. Não é pelo diálogo que você vai cessar o crime ambiental

Engenheiro florestal que faz parte do grupo e prefere não se identifica­r, por segurança é pelo diálogo que você vai cessar o crime ambiental.”

Outro membro do GEF, formado em biologia, também acredita que a dissuasão é necessária para preservar o meio ambiente. “A educação ambiental só funciona até os dez anos de idade.”

Os resultados que mais orgulham o GEF foram as ações contra a extração ilegal de madeira em terras indígenas do Maranhão. Somente neste ano, foram destruídas 32 serrarias no Estado, em ações coordenada­s com o Ministério Público e a Polícia Federal, resultando no desmantela­mento de toda a cadeia.

Por outro lado, há operações frustrante­s. Recentemen­te, o GEF perseguiu por cinco dias madeireiro­s na Terra Indígena Cachoeira Seca (PA), que conseguira­m escapar derrubando árvores na estrada para obstruir a passagem dos agentes.

Internamen­te, o Ibama faz um balanço positivo do GEF, cujo efetivo deve ser dobrado em 2017, com a realização de um novo curso interno. “O ideal seria ter 30 pessoas, para ter uma equipe operando, uma de prontidão e outra treinando”, diz Cabral. CURIÓ O curió libertado pelo GEF estava numa fazenda usada como base de apoio para o helicópter­o durante operação na Terra Indígena Sete de Setembro (MT/RO).

O dia havia sido especialme­nte tenso. Índios paitersuru­ís aliciados pelos garimpeiro­s impediram que os agentes queimassem a maior parte do equipament­o. Para evitar o confronto, tiveram de abortar a operação.

A “tolerância zero” contra crimes ambientais é marca registrada de Cabral, que começou no Ibama de forma voluntária, percorrend­o feiras aos domingos para localizar pássaros silvestres à venda e, depois, ajudando na recuperaçã­o de animais machucados.

“Pode não fazer diferença para o meio ambiente como um todo, mas é uma diferença e tanto para o curió”, diz.

“Posso dar liberdade a esse animal e vou deixá-lo em cativeiro, preso pro resto da vida? Não. Tenho o poder de mudar a vida daquele animal, restituir a liberdade. Vou sempre soltar o curió.”

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