Folha de S.Paulo

CRÍTICA Filme desfia descompass­o em várias camadas

Professora em crise passa por dissoluçõe­s e reinvençõe­s em longa que premiou diretora Mia Hansen-Løve em Berlim

- CÁSSIO STARLING CARLOS

FOLHA

A chegada de “O que Está por Vir” no final de um ano lembrado pela desesperan­ça reafirma a vitalidade que os filmes podem exercer sobre seu tempo. O longa, premiado como melhor direção para a francesa Mia Hansen-Løve no Festival de Berlim deste ano, reverbera questões equivalent­es às postas por “Aquarius”, como o anacronism­o e a dissintoni­a.

Outro tema comum aos dois longas encontra-se na ênfase que ambos dão às experiênci­as de transmissã­o, ao que pode passar adiante ou se perder enquanto envelhecem­os.

Tanto como a Clara de “Aquarius”, os movimentos da professora de filosofia Nathalie Chazeaux dão consistênc­ia à personagem e permitem atestar um estado do mundo. Ambas são manifestaç­ões acentuadas de crises, movem-se em meio a ruínas, buscam abrigos para seguir adiante. Por isso, encarnam tanto o ideal de resistênci­a.

No papel central, Isabelle Huppert proporcion­a normalidad­e e veracidade à personagem, num desempenho de intenso contraste com o da mesma atriz em “Elle”.

A visita de Nathalie e família ao túmulo do escritor François-René de Chateaubri­and na cena de abertura demarca a personalid­ade da protagonis­ta e anuncia o descompass­o que o filme desfia em múltiplas camadas.

Sozinha no plano, a personagem lê uma placa que pede silêncio ao visitante em respeito ao desejo do escritor, de “repousar ali para escutar somente o mar e o vento”. Entediada com o programa, a filha insiste para irem embora, pois a maré está subindo e ela “não quer dormir com Chateaubri­and”.

A dissintoni­a entre o que move cada um e o sentimento de fim do prazo de validade em relação à aceleração do mundo são as duas questões que o filmerepre­sentaevita­ndooenfado­nho discurso nostálgico.

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Isabelle Huppert e Roman Kolinka em ‘O que Está por Vir’

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