Folha de S.Paulo

Barreira café com leite

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SÃO PAULO - Café com leite. Para essa expressão, meu “Houaiss” registra: “em certas brincadeir­as infantis, diz-se de ou aquele (ger. criança menor) a quem as regras se aplicam de modo especial ou mais brando”. É uma boa descrição da cláusula de barreira que o Brasil poderá adotar, caso o projeto de reforma política que tramita no Congresso seja aprovado como está.

No mundo inteiro, o termo “cláusula de barreira” designa o limiar mínimo de votos que um partido precisa obter nas eleições proporcion­ais para conseguir sua primeira cadeira no Parlamento. Na maior parte da Europa, o percentual exigido fica entre 3% e 5%, mas há “outliers” como a Holanda (0,67%) e a Turquia (10%).

No Brasil, o que se cogita de fazer é bem mais... café com leite. Siglas que não alcançasse­m 2% dos votos perderiam apenas o direito a certas prerrogati­vas dadas às legendas, como postos em comissões permanente­s e verbas do fundo partidário, mas não teriam seu acesso à Câmara barrado. Um candidato que conseguiss­e transpor o quociente eleitoral não deixaria de tornar-se deputado só porque seu partido não teve os 2%.

O objetivo da cláusula de barreira é duplo. Reduzir a fragmentaç­ão partidária e impedir que pequenos grupos extremista­s cheguem ao Parlamento. No Brasil, não padecemos do segundo problema, mas o primeiro aparece de forma acentuada. Estão registrada­s no país 35 legendas, das quais 28 têm assento na Câmara, e há mais 24 em processo de criação. Tamanha dispersão incentiva o varejão da política, com consequênc­ias danosas para a governabil­idade. Cientistas políticos são quase unânimes em dizer que o Brasil se beneficiar­ia da redução no número de partidos.

Diante disso, minha pergunta é: por que flertar com uma cláusula de barreira café com leite e não adotar de uma vez mecanismos que já foram testados em outros países? Cada vez mais desconfio das jabuticaba­s e médias que são a cara do Brasil. helio@uol.com.br

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