ANÁLISE Assad ainda terá muito trabalho para se impor de novo no país
A retirada do último grupo de rebeldes e seus familiares foi realizada nesta quinta, em um comboio de aproximadamente 150 pessoas. Uma porta-voz da Cruz Vermelha confirmou o fim da operação.
Os últimos retirados deixaram um minúsculo bastião que era tudo o que restava de um setor rebelde que englobava quase metade da cidade, antes de ser sitiada no verão e atingida por intensos ataques aéreos que reduziram o local a escombros.
De acordo com a ONU, ao menos 34 mil pessoas, entre civis e combatentes rebeldes, foram retiradas de Aleppo desde o último dia 15.
O processo foi marcado por idas e vindas, com ônibus sendo atacados e incendiados, e dificultado pelas temperaturas abaixo de zero.
“A retirada foi traumática, com aglomeração e pessoas vulneráveis esperando por horas e expostas a temperaturas abaixo de zero”, disse o porta-voz da ONU Farhan Haq, em Nova York. CERCO O regime de Assad havia cercado durante meses a região leste, controlada pelos rebeldes. Aproximadamente 270 mil pessoas viviam sob o cerco. Esse território foi bombardeado pela Rússia, destruindo a estrutura e impossibilitando o acesso a cuidados médicos ou alimentos.
Em outubro, o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos classificou o cerco e os bombardeios a Aleppo de “crimes de proporções históricas” e afirmou que as potências ocidentais deveriam levar o caso sírio ao TPI (Tribunal Penal Internacional).
A estratégia de cerco, considerada um crime de guerra, também é utilizada pela oposição armada na Síria.
Assegurado o controle de Aleppo, Assad poderá consolidar seu poder na chamada “Síria útil”, que inclui também as cidades de Damasco, Homs e a região costeira.
O regime tentará, agora, avançar nas regiões ainda controladas pela oposição, como Idlib —a sudoeste de Aleppo— e Raqqa, hoje a principal cidade síria em posse da facção Estado Islâmico.
FOLHA
A retomada total de Aleppo pelas tropas do ditador Bashar al-Assad tende a representar o fim de uma das facetas do conflito, mas dificilmente será a vitória definitiva na multifacetada guerra síria ou o fim, também, do genocídio no país.
A derrota em Aleppo marca o crepúsculo da versão síria da chamada Primavera Árabe. Não convém esquecer que tudo começou com manifestações pela democracia, promovidas por grupos da sociedade civil, seguindo a Tunísia e o Egito.
A repressão violenta de Assad empurrou tais grupos para a luta armada, fechada como foi a via das manifestações pacíficas. São esses grupos que parecem, agora, definitivamente derrotados.
Tendem, aliás, a sofrer novo massacre, agora na província de Idlib, a última grande concentração de rebeldes e para a qual se deslocou uma parte dos civis (e militantes radicais) derrotados.
Staffan de Mistura, enviado especial da ONU para a Síria, diz que só um acordo para pôr fim à guerra poderia evitar a repetição da carnificina ocorrida em Aleppo. Como tal acordo não está nem remotamente à vista, “Idlib em tese pode ser a próxima Aleppo”, diz De Mistura.
Nem a derrota em Aleppo nem um eventual novo massacre desestimularão, no entanto, os militantes do Estado Islâmico e de outras milícias radicais que se juntaram contra Assad, com uma agenda nada democrática.
A resistência que o EI revela no cerco tanto a Mossul (Iraque) como a Raqqa (Síria) é uma demonstração clara de que, por si só, o regime de Assad terá imensas dificuldades para recuperar o controle de todo o território sírio —e, ainda que o faça, para mantê-lo. Prova-o a reocupação de Palmira pelo EI.
O custo da guerra tende a se tornar insuportável, ainda mais se os terroristas do EI, derrotados no seu califado e imediações, passarem a atacar nos países que os venceram —e a Rússia, desta vez, no lugar dos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque, foi o principal agente.
Sem contar que o EI é sunita e tem todo o interesse em evitar um eixo xiita que vá de Teerã a Beirute, passando por Damasco. Falta ainda incluir na equação a incógnita de Donald Trump, que só começará a se tornar clara a partir de janeiro.